Poderia começar esta crónica de outra forma, mas optei por descrever uma situação real que acabei de observar nestes tempos de pandemia e confinamentos. Sou avô de três netos, irmãos e de idades próximas entre os 3 e os 9 anos, e com os pais em teletrabalho e os mais velhos em “telescola”, pediram-me para tomar conta , durante o dia, do mais novo, o que não é fácil, porque os parques infantis estão todos encerrados, tornando-se difícil ocupar as crianças duma forma mais sã.
Decidi-me ir com ele para Monsanto, porque as regras do confinamento me permitiam, não a aldeia típica na Beira Baixa, mas sim o parque urbano e pulmão da cidade de Lisboa. Ao meu lado, estacionou uma mãe, ainda jovem, que começou a “descarregar” os seus seres, que eram compostos por duas crianças, talvez de 1 e 3 anos e dois cães de tamanho médio. E lá ia ela, a meu lado e do meu neto, com uma no carrinho, outra pela mão e os dois cães com as trelas.
Atrasei-me um pouco para observar a cena e ficar a pensar sobre duas realidades que a sociedade portuguesa atravessa, isto é, a falta de crianças e cada vez mais animais de estimação, como substitutos dos filhos. Uma criança começa a ser tão rara que pode ser equiparada a um diamante, pelo que muitos dos educadores tratam-nas como “princesas e príncipes”, acabando por cometer exageros, com consequências na formação da sua personalidade, mas também o cuidado que é preciso ter com essas pérolas cada vez mais raras.
Uma criança começa a ser tão rara que pode ser equiparada a um diamante
Enquanto a natalidade continua a descer preocupantemente, colocando Portugal na cauda dos países desenvolvidos, o número de animais de companhia (cães, gatos, etc) aumenta.
“Há mais de 2 milhões de cães e de 250 mil gatos em Portugal, segundo os registos oficiais, mas, na realidade, serão bem mais, sobretudo felinos, se somarmos os que fogem às contas oficiais. Um estudo apontava, em 2016, para a existência de seis milhões de animais de estimação no país (36%, cães e 22%, gatos), estando estes presentes em mais de metade dos lares portugueses”.
Estes dados do estudo deveriam deixar-nos preocupados, não só em contraste com a baixa natalidade, mas porque revela uma crescente idolatria para com os animais de estimação e que evidencia outros problemas da sociedade. Pensemos no crescente número de portugueses a votarem no PAN, cuja sigla, para mim, diz; Partido Animais e Natureza, porque, se não, deveria ser PPAN (Partido Pessoas, Animais e Natureza). Ademais, choca e sensibiliza mais certas pessoas tudo o que se passa com os animais, abandono ou maus tratos, por exemplo, do que com o abandono de idosos e crianças maltratadas. Vergonha, é o que deveríamos sentir. E pensar: “Quo Vadis”, sociedades modernas e “ricas?
“Ademais, choca e sensibiliza mais certas pessoas tudo o que se passa com os animais, abandono ou maus tratos, por exemplo, do que com o abandono de idosos e crianças”
Na falta de afetos humanos, procuram compensar com os afetos que dedicam aos animais de estimação, em muitos e muitos casos a raiar o ridículo e da falta de higiene nesses afetos, como partilhar muitas coisas próprias dos humanos, incluindo dormirem juntos, etc. Se o apego a animais de companhia se “justifica” em idosos, como forma de combaterem a solidão, desde que não existam os exageros atrás citados, já para com pessoas e casais mais novos a idolatria pelos animais revela carências e ou desequilíbrios e dificuldades nos relacionamentos familiares e sociais.”
Quanto mais conheço os humanos, mais gosto dos animais, blá, blá,” – dizem, escondendo uma dificuldade nos relacionamentos e buscando nos animais aquilo que não conseguem partilhar com os humanos. Basta andar pelas ruas e pelos parques e observar “cenas e comportamentos” de bradar aos céus. São gente ou serão bichos, os donos dos animais que assim se comportam de forma tão ridícula e absurda?
Vemos imensos casais, casados ou a viverem em conjugalidade, cujo “filho”, (é assim que chamam aos animais, tais como: “é menino ou menina?”; “vem à mamã”, etc,) é um ou dois cães e ou gatos. O “elo” da sua união e da sua diversão acaba por ser um animal que é também o “bibelot” do casal que, contudo, também implica encargos relevantes e trabalhos e perda de independência de vida.
Ter crianças? Nem pensar, ademais: “trazer uma criança para este mundo tão mau e sem condições, blá, blá…” – dizem, mentido, porque a razão maior deste desapego para com a maternidade e paternidade é, essencialmente, quererem usufruir o hedonismo no seu máximo e ter um filho, para não dizer ter mais, é algo que tem um custo pessoal e financeiro elevado. Se podem usar o tempo e o dinheiro nos prazeres, para quê e porquê ter um filho? – dizem. “O nosso filho é este de quatro patas que não chora, deixa-nos dormir a noite, não usa fraldas, etc, etc. “- justificam-se.
Tem despesas e trabalhos? Sim, tem, mas não são comparáveis às suportadas com um filho e muito menos quando alguns casais corajosos ousam ter mais do que um, como os dois exemplos que aqui cito. Se esta cultura dos nossos adultos jovens, em idade procriadora, já se sentia desde há muito e com os reflexos na progressiva baixa da natalidade, esta crise pandémica veio agravar e de que maneira o futuro da natalidade em Portugal.
Estudos recentes revelam, por exemplo, que 91,2% dos inquiridos que têm crianças não quererão ter outra a curto prazo, e aqueles que não têm nem querem ter filhos para já é de 89,8%. Se a pergunta fosse feita, por exemplo: “ter um filho ou um cão”, questão real que muitos jovens casais questionam e discutem entre eles, a percentagem de respostas por um cão seria, provavelmente, de envergonhar os humanos.
Aliás, esta mentalidade está cada vez mais enraizada na nossa sociedade e abrange várias idades, incluindo os “avós dos filhos/cão”, como alguns se intitulam. “Então, meu caro, quando é que o tua filha te “dá” um neto? – perguntei. “Ela e o companheiro não estão a pensar nisso e vão adoptar um cão e eu também prefiro. Depois ainda sobrava trabalho para mim.” – respondeu. A propósito desta baixa inclinação para a paternidade, cito um pequeno anúncio que há vários anos atrás, passava na rádio, por altura do Dia do Pai (celebrado a 19 de Março), duma marca de preservativos: “Obrigado, Pai, por Não teres usado …(nome da marca)”.
Pois é, se os pais daqueles que preferem ter um ou mais cães, em vez de um ou mais filhos, tivessem usado preservativo, eles não estariam aqui para usufruírem deste mundo de que tão mal dizem, mas onde tanto gozam os benefícios deste “mundo mau”.
O futuro pós-Covid não vai ser como dantes e muitos ainda não se aperceberam disso e outros estão demasiado desconfiados do futuro. É claro que as condições para ter filhos dificilmente serão melhores do que o antes Covid, mas serão incomensuravelmente melhores daquelas que os pais destes “anti paternidade” tiveram, e cujos pais os criaram e lhes deram tantas coisas!
Alguns passaram enormes sacrifícios para darem um futuro bem melhor aos seus filhos e que contra os seus desejos e sonhos não vão ser avós, como eu sou e também os pais da jovem mãe mencionada logo no inicio desta crónica que consegue conciliar, louve-se-lhe o redobrado sacrifício, de ter também dois cães, mostrando, como muitos exemplos, que se pode ser pai/mãe e usufruir dos benefícios dos animais de companhia ou, eu prefiro o termo, animais de estimação.
Sermos avós, mas avós presentes e participativos, é como ser pai e mãe em segunda mão. Eu, pessoalmente, sentir-me-ia triste, se não fosse avô e um avô como sou. Que felicidade, acreditem!
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