A reeleição de Donald Trump marca um ponto de viragem na política dos Estados Unidos. Apesar de não ter sido uma vitória esmagadora, foi clara e convincente, especialmente em estados tradicionalmente divididos. Em 2020, Biden venceu em seis dos sete estados críticos, mas desta vez Trump levou a melhor em todos, reforçando o seu apoio em áreas essenciais para o resultado.
Kamala Harris e os democratas tentaram construir uma coligação ampla, unindo trabalhadores, empresários e neoconservadores, inspirando-se na “nova maioria” de Richard Nixon dos anos 70. Contudo, ao contrário de Nixon, Harris não conseguiu captar o mesmo nível de apoio. A campanha apostou em apresentar Trump como uma ameaça “fora da norma”, mas ele é visto por muitos como um representante legítimo do espírito americano, o que acabou por limitar a eficácia deste tipo de retórica.
Questões económicas desempenharam um papel central nas escolhas dos eleitores. Embora os democratas tenham promovido as suas políticas económicas como uma nova abordagem — chamada de “Bidenomics” —, muitos eleitores não sentiram melhorias significativas. A recuperação económica após a pandemia favoreceu sobretudo as elites, concentrando o crescimento da riqueza entre famílias de alta renda. Em 2024, dois terços dos eleitores classificaram a economia como “má” ou “insatisfatória”, e uma grande parte votou em Trump, acreditando que ele traria resultados mais palpáveis.
A alienação da classe trabalhadora foi outro fator crítico na derrota dos democratas. Bernie Sanders, uma voz importante dentro do partido, criticou abertamente a liderança por “abandonar a classe trabalhadora”, um sentimento que parece ter ressoado entre os eleitores. Embora alguns democratas argumentem que os eleitores foram “mal informados” sobre o estado da economia, o descontentamento com o custo de vida e a perceção de políticas favoráveis às elites pesaram na balança.
Entre as elites, também se notaram divisões. Harris atraiu eleitores com rendimentos elevados, mas Trump contou com o apoio de setores económicos influentes, como tecnologia e criptomoedas, que se opõem a regulamentações rígidas e buscam benefícios fiscais. Esse apoio tático e calculado a ambos os lados revela uma estratégia das elites para garantir a proteção dos seus interesses, independentemente de qual partido está no poder.
No plano internacional, a reeleição de Trump suscita incertezas sobre o papel dos EUA em alianças como a OTAN. Conhecido pelo seu nacionalismo económico e relutância em comprometer-se com alianças multilaterais, Trump poderá adotar uma postura mais independente, o que poderá levar a tensões internas e externas. Ao contrário dos democratas, que privilegiam alianças globais, Trump tende a focar-se em fortalecer a economia e poderio internos, possivelmente em detrimento das colaborações internacionais.
Esta eleição não representa necessariamente um “realinhamento” político, mas sim uma quebra nas alianças tradicionais. Num contexto de crescente polarização, a sociedade americana encontra-se cada vez mais fragmentada entre classes, rendimentos e ideologias. O futuro do país dependerá da capacidade da nova administração de Trump para gerir essas divisões, enfrentando desafios internos e pressões internacionais num mundo em constante transformação.