A busca do conforto e do luxo é um dos grandes estímulos das populações dos países evoluídos, mas o seu alcance é insuficiente para garantir satisfação. Necessitamos conhecer as asperezas da Terra, para disfrutar de uma verdadeira conexão com a natureza.
Apreciem-se os luxos e os seus confortos:
Carros desportivos excecionalmente confortáveis, devidamente insonorizados, despacham as viagens sem que sejam percetíveis as irregularidades da crosta terrestre, a velocidades estonteantes que não permitem apreciar a vista; roupas feitas de tecidos sedosos massajam os corpos, envolvendo-os numa mentira, fazendo acreditar que a roupa ostentada eleva a um qualquer patamar de superioridade; comida elaboradíssima impede de conhecer os verdadeiros sabores dos alimentos, cujas refeições, mais que do que corresponder à básica satisfação da gula ou de uma simples fome, servem o propósito de serem fotografadas e legendadas com dizeres como “sublime”, “explosão de sabores” ou “despertar dos sentidos”; casas possuem confortos que estimulam cada vez mais o sedentarismo e a moleza, cujas soberbas funcionalidades, permitem controlar um sem fim de operacionalidades domésticas do alto de uma poltrona; dispor das mais poderosas tecnologias, que fazem o obséquio de facilitar o pensamento e consequentemente contribuem para que o cérebro mirre; viver rodeados de empregados e serventias que retiram a satisfação suprema de os próprios colocarem mãos à obra, tendo assim a possibilidade de aprender, desenvolver capacidades e, mais do que isso, e para bem da autoestima, ter o prazer de os próprios executarem simples tarefas; viagens para destinos onde vivem pessoas ainda mais ricas, resultando em experiências que provocam sensações de pequenez; tratamentos e terapias que mimam o corpo, que assim fica cada vez mais mole e relaxado, tornando-o vulnerável em demasia em caso de confronto com uma qualquer adversidade que reclame uma impetuosa ação;
Depois de chegados a este auge, confrontados com um grau de insatisfação inexplicável, encontra-se uma nova forma de prazer, cuja a essência reside em recuar no tempo e abdicar do conforto. Agora, buscam-se formas de castigar o corpo e viver por intervalos de tempo a sentir os verdadeiros atropelos da natureza!
Já não se procuram simples viagens, visitas guiadas, entradas em sítios ou objetos de luxo; hoje, procuram-se desafios radicais, intentam-se experiências de superação, buscam-se aventuras extremas. Ou seja, primeiro, andamos ocupados em mimar e serenar os sentidos, para agora pretender dar um abanão de realidade extremada, colocando os sentidos em alerta máximo.
Abdicando do conforto, o alcatrão fica para trás, dando lugar a épicas caminhadas pelos bosques; dispensam-se os hotéis luxuosos e albergam-se em tendas que agora são denominadas de glamping; mais que os tranquilos passeios à beira-mar, opta-se por se desafiar a gravidade a escalar montanhas; rejeitam-se os quentes jacuzzis e experimenta-se nadar em lagos gelados; mais do que visitar sítios altos com vistas deslumbrantes, ousa-se saltar de alturas medonhas amarrados a elásticos ou com asas de nylon; abdicam-se os destinos da moda e embarca-se em viagens espirituais de mochilas às costas; acomodados dentro da carcaça de um frágil veleiro, desafiam-se travessias por longínquos mares; expostos a tórridas temperaturas nas escarpas do Douro, recolhem-se as uvas que darão origem a preciosos vinhos; procuram-se comeres e beberes típicos de aldeões, em eventos que recriam uma época, em que a pedra da lareira na cozinha era o altar perfeito.
E até o dinheiro, que sempre esteve ao serviço do conforto e do luxo, hoje presta-se também para comprar desassossego, comprar atividades de extremo risco;
Seduzidos pelo desconhecido, sobem a bordo um claustrofóbico foguete rumo à gravidade zero, expondo as suas vidas à sorte ou confinam-se dentro de uma minúscula cápsula para viajar até às profundidades do mar, até que a pressão hidrostática impluda com as suas vidas…