“Não há mas nem meio mas!”. Esta frase tipicamente associada às mães, que não estão para aturar as revindicações incongruentes dos filhos, faz muita falta na discussão publica.
As adversativas são o melhor objetor de consciência que poderíamos dispor. Ninguém fica indiferente à extraordinária muleta de expiação dos nossos pecados que um “mas”, um “porém” ou um “contudo” cumprem na construção semântica das nossas opiniões sobre os temas fraturantes da nossa sociedade.
Numa altura em que nunca foi tão fácil partilharmos a nossa opinião sobre os temas da atualidade, mesmo aqueles aparentemente mais consensuais acabam por se enredar numa complexa ambiguidade à conta dos “mas”!
Parece-me até que a excessiva utilização de adversativas é uma nova modalidade de farta produção de verve, que nos permite sermos muito opinadores sem termos uma opinião concreta. Existem assuntos em que são necessárias opiniões que não se escudem em alíneas de exceção, em alíneas de enquadramento, por muito que essa alínea que normalmente é precedida por um “contudo” nos apazigue a consciência.
Deixemos as alíneas aos fazedores de leis, que têm de se debruçar sobre temas fundamentais como a eutanásia ou o aborto por exemplo, e se obrigam a pensar na matiz complexa das matérias que legislam. Ao cidadão comum exige-se uma opinião categórica sobre os temas fraturantes. Os tons cinza são sempre confortáveis, mas (cá está a adversativa) em certos assuntos em que a nossa humanidade é posta à prova pede-se clarividência, sem inflexões. Frases começadas por “Eu não sou racista… Eu não sou homofóbico… Eu não sou misógino… Eu não sou xenófobo” e que sofrem um solavanco causado por uma virgula seguida de um “mas”, têm de desaparecer paulatinamente do nosso vocabulário.
São indiscutivelmente excelentes palavras os “no entanto”, os “apesar disso” ou os “ainda assim” porque têm o poder de abrir a novas reflexões a contrapor uma ideia prévia e estimulam novos pensamentos que levarão a novas conclusões, todavia (cá está mais uma inflexãozinha promovida pela adversativa) parece-me que muitas vezes esta ligação entre a parte inicial da frase e a segunda parte, resulta como se nos permitíssemos ser conservadores e liberais ao mesmo tempo, como se fosse possível sermos tolerantes e severos numa mesma opinião, como se fosse plausível sermos nacionalistas e cidadãos do mundo conforme for conveniente.
O “mas” funciona muitas vezes como um “nim”, como uma falta de coragem para uma tomada de posição; o “mas” resulta por vezes como a reprimenda insolente que nos atrevemos a sentenciar; o “mas” é também em algumas circunstâncias uma proposta de tolerância e de condescendência que evidencia um ligeiro laivo da nossa arrogância!
Nestes estranhos tempos em que toda a gente tem certezas e vereditos, o único “mas” que denota um elevado grau de inteligência é o da dúvida, o “mas” que questiona;
O “mas porquê”?