Todas os desenhos de sociedade sejam eles utópicos ou distópicos, mais humanistas, mais ambientais, mais pró-animal, mais liberais ou de um cariz mais social, acabam sempre por resvalar para algo com laivos de escravatura. De uma forma ou de outra transformamo-nos em marionetas e o terrível disto, é que não damos conta dos fios que nos controlam, parece-me até, que submetidos a um complexo número de contorcionismo, somos nós próprios que puxamos os cordelinhos que nos escravizam. Mas não pretendo falar de política, vou discorrer sobre um tipo escravatura muito em voga nos dias de hoje, a escravatura do Lifestyle (Estilo de Vida).
O Lifestyle persegue-nos, arrebata-nos com obsessões idealizadas por ídolos dos tempos modernos. Fazemos tudo por alcançar um tipo de realização baseada num estilo de vida perfeito. Mas o problema reside, que muito mais que vivê-lo e pô-lo em prática, queremos é que o mundo acredite que o nosso estilo de vida é realmente admirável. E não nos faltam ferramentas mentirosas para passar essa ideia de superioridade.
Sabemos de umas quantas diretrizes importantes que deveríamos cultivar para o bem-estar do nosso corpo e para a preservação do nosso planeta.
Todos somos conscientes da importância de uma boa alimentação, com critérios nutricionais carregados de “pixelus activos” que regulam de forma eficaz o “trânsito instagramal”; a imprescindibilidade de uma regular pratica desportiva, potenciando elevados graus de transpiração, que se revelarão essenciais no brilho da selfie religiosamente partilhada; da necessidade de estarmos em contato com a natureza, abraçando árvores vestidas de musgo e saltando para dentro de poças de lama, fortalecendo o nosso sistema imunitário, revestindo o nosso corpo de um escudo que nos protege de todas as agressões da natureza, pois como sabemos ela tem mau feitio e tende a ferir-nos as peles; de como é fundamental manter uma constante preocupação com o ambiente, participando numa limpeza de uma qualquer praia icónica, que tem um badalado bar que se tornou o spot da moda e de visita obrigatória para quem anda nestas lides do “olha para mim que eu também faço parte desta tribo”; muito importante também é fazer medrar uma boa rede de amigos, de preferência que sejam gente recomendável, de boas famílias, não tendo necessariamente de ser pessoas com estudos, desde de que as viaturas que utilizam nas suas deslocações para beber gins, tenham uma cavalagem superior a cento e cinquenta e que usem roupas que mais que a cor ou a composição do tecido, tenham logotipos e letras que legendem de forma sub-reptícia os três dígitos do preço que custaram; não esquecer ainda de promovermos um determinado gosto pela arte e pela cultura, que para facilitar dispensamos certas eruditisses, podendo assim incluir-se nos nossos hábitos culturais a frequência de festivais de música e feiras medievais, que como sabemos, com uma foto de um bom ângulo, onde se observe um distante palanque em que se vislumbre o brilho de um qualquer foco e um copo com um minúsculo chapeuzinho de palha pendurado, já conseguimos dar um arzinho de sofisticação.
Cá estão elencadas meia dúzia de directrizes fundamentais para fazer constar ao embalo de sopros na World Wide Web o nosso invejável Lifestyle.
O que conta é o que os outros observam através da janela magica, leia-se smarthphone. Nesta janela só passa o soberbo e o inolvidável, o desleixo e a falha ficam fora do angulo de visão. E se não é visto é porque não existiu, não é assim?
Pelo menos assim acreditamos, tal a violenta necessidade competitiva com que somos estimulados para “construirmos” um ainda mais invejável estilo de vida. Nem que isso nos tarde um precioso tempo para a obtenção da foto perfeita, um tempo que feitas bem as contas, abdicamos de viver escravizados pela imagem, pelo Lifestyle!
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