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“Não podemos ver o que acontece depois da morte, pois, assim como uma vela que se apaga, a chama não pode observar a escuridão que a sucede”.

Imagina, que poderias assistir ao desenrolar das vidas depois da tua morte? Depois daqueles dolorosos dias enlutados pela tua ausência, como fluirão os outros destinos?

Sobre isto recordo uma história, da qual já todos devemos ter escutado ou lido algum relato. Relembro um célebre acidente de um avião em 1972, que transportava uma equipa de Rugby Uruguaia, que terá caído num pico montanhoso dos Andes, mais tarde batizado como Monte Seller, quando estava a caminho do Chile, onde os Old Christians Club iriam realizar um jogo.

O filme Sociedade da Neve, que pode ser visto na Netflix, conta-nos esta incrível história, naturalmente com alguns toques de produção hollywoodesca.

Esta é uma incrível história de superação e da resistência humana. Certamente que a boa preparação física típica dos atletas de Rugby e a sua capacidade mental, ajudou neste duro desafio de sobrevivência, em que durante setenta e dois, estes jovens foram expostos às maiores adversidades que a natureza pode revelar.

Este meu texto não pretende relatar o acidente e os factos extraordinários que se desenrolaram ao longos dos quase dois meses e meio, em que os sobreviventes estiveram expostos a um extremo grau de vulnerabilidade nas montanhas geladas. Pretendo refletir sobre uma desconcertante resposta que Nando Parrado, um dos sobreviventes, deu numa entrevista em Portugal. Parrado, de todos os sobreviventes, foi talvez o elemento mais preponderante pelo papel de liderança que acabou por assumir e pela resistência física e mental que revelou. Este verdadeiro herói, numa entrevista ao jornalista Carlos Vaz Marques, no seu celebrado programa de entrevistas “Pessoal… e transmissível”, à pergunta, “Qual foi o pior momento dos setenta e dois dias”, o sobrevivente não referiu como seria expetável, por exemplo, a dureza psicológica de se verem obrigados a comer carne de companheiros que não resistiram. Parrado disse, que o maior impacto que sofreu nesta dura experiência, foi a de após ter sido resgatado, ao regressar a casa na sua aldeia, ter tido a possibilidade de observar o seguimento da vida após a sua morte, uma vez que, não esquecer, todos os passageiros do referido voo foram dados como mortos, após um longo período de buscas. Percebeu que, mesmo sendo um reconhecido jogador de Rugby, tendo uma “morte” muito noticiada e com grande impacto mediático, passado dois meses e meio do fatídico despenhamento do avião da força aérea Uruguaia, a vida seguiu e esqueceu as suas vidas extraordinárias.

Assinalo que a convite de Parrado, para assistir a este jogo no Chile, também seguiam a bordo a sua mãe e a sua irmã, que não resistiram e faleceram nas montanhas. Nando Parrado conta que foi de uma dureza avassaladora, quando ao chegar à sua aldeia, o seu vizinho cortava a relva como cortava habitualmente todas as semanas e o seu pai, que acabara de perder dois filhos e a mulher, estaria já a reorganizar a sua vida com uma nova companheira. A vida seguiu, poderia ter abrandado e desenrolar-se numa cadência melancólica, sem recuperar, mas não, Parrado observou, que a vida continuou precipitada e não se compadeceu dos mortos.

Certos que o caso do pai de Parrado tem uma natureza muito excecional e não é assim que se desenrolam as vidas de quem perde alguém que ama, mas este exagero serve para desinflar egos.

Desinflamemos os nossos egos e não esqueçamos, certamente seremos chorados, muitos sentirão a nossa falta, mas a vida seguirá. Cada um nós, que nesta passagem terrena é dominado pela vaidade e pelo exagerado amor-próprio, se por obra do divino, tivesse a possibilidade de assistir aos dias que se seguirão à morte, provavelmente se desapontaria, porque a vida ousou seguir, indelicadamente.

“Na morte, todos somos iguais; ricos e pobres, poderosos e humildes, todos encontram o mesmo destino”.

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