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Corro sérios riscos de me contradizer durante este texto. A razão da falta de consistência no meu pensamento, tem precisamente a ver com dúvidas que persistem sobre ideias de cancelamento, promovidas por um certo “wokismo”, que mesmo que que não dêmos conta, germina na intolerância daqueles que se consideram justos e tolerantes.

A rejeição de obras artísticas consagradas e mesmo de bens de consumo de reconhecida notoriedade, originada pelo desprezo que desenvolvemos pelo artista ou pelo empreendedor, provocado pelas suas visões desvirtuadas do mundo ou por atos indignos que essas pessoas possam ter tido, é injusto para quem se exclui de disfrutar desses venerados produtos e desonesto para com as próprias obras.

No mundo artístico, existem vários famosos sob escrutínio por atos condenáveis que abalaram as suas carreiras, tendo ensombrado o fascínio pelas suas criações. O cineasta Woody Allen foi acusado de abuso sexual pela sua filha adotiva; a prestigiada escritora da saga de Harry Potter, J. K. Rowling, esteve debaixo de fogo depois de fazer comentários sobre identidade de género que foram considerados homofóbicos; o inimitável cantor Michael Jackson foi constantemente acusado de abuso de menores, levando a longos debates sobre o seu carácter; Louis C. K., famoso Stand Up Comedian, foi acusado por várias mulheres de assédio sexual. Estas evidências ou suspeitas deixaram mácula nas carreiras destes ilustres artistas, abalando muito a sua reputação e fizeram-nos questionar sobre se deveríamos continuar a admirar as suas obras, ou no mínimo, fizeram-nos sentir que estaríamos a pecar ao apreciar as suas expressões artísticas.

No mundo empresarial também vamos sendo presenteados com homens de grande sucesso corporativo, que merecem o nosso reconhecimento pelo trajeto empresarial que desenvolveram, mas as suas condutas e carácter são passíveis de reparos. O mediático empresário Elon Musk, que agora está sob os holofotes por pertencer ao governo Americano, recorrentemente propala ideias sexistas, transfóbicas, antissemitas, xenófobas e de manifesto orgulho branco, através das redes sociais, com particular preferência para a sua plataforma de eleição e brinquedo favorito, a rede X (antigo Twiter). Estas recorrentes provocações fazem dele, no mínimo, uma personagem controversa. Entre os portugueses temos o brilhante empresário Miguel Milhão, que estando a viver nos Estados Unidos e após alguns Estados Norte-Americanos terem recuado na liberalização do aborto, fez uma publicação antiaborto no X, manifestando estar de acordo com estas decisões, tendo em sequência disso estado debaixo de fogo, porque alguns dos seus “embaixadores” que promoviam a sua marca se afastaram demarcando-se da sua opinião. Na sequência dessa forte exposição mediática, Miguel Milhão criou um podcast chamado “Conversas do Karalho”, com a intenção clara de continuar a ser disruptivo, expondo opiniões fortes e provocatórias, percebendo que essa controvérsia lhe traria mais notoriedade. Também de forma desafiante e na sequência das sua veiculada opinião antiaborto, comprou minutos de publicidade num canal televisão, para se parabenizar pelo seu aniversário, não de nascimento, mas sim de fecundação, aludindo à ideia, não descabida e passível de discussão, de que é esse o momento a partir do qual somos parte do mundo.

A questão que me assalta é se nos devemos privar das suas obras ou produtos por causa das ações condenáveis ou opiniões menos alinhadas dos artistas ou empresários. É aqui que me confundo e não sei como devo atuar. Mas inconscientemente, vou dando conta que tendo a rejeitar marcas em sequência do meu repúdio pelos seus criadores, porque de alguma forma que desiludiram pela sua conduta, mas relativamente aos trabalhos artísticos, continuo a validar as obras, sem esse peso na consciência, dissociando a arte do artista.

Posto isto, considero imprescindível desenvolver pensamento critico, sustentado em bases sólidas sobre política, sobre questões de ética e de ideais filosóficos, porque a ideia simplista de cancelar e promover o cancelamento de alguém, será sempre uma forma de intolerância.

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