O livro apresentado por Passos Coelho tem dado que falar. O Expresso trata-o como sendo um manifesto contra “os adversários da família”, “a ideologia de género” e “a cultura de morte”. Trata-se de um livro que agrega 22 contributos que são naturalmente associados à direita mais conservadora.
Há várias perspetivas de análise ao envolvimento do ex-primeiro-ministro na apresentação do livro em questão. Foquemo-nos, essencialmente, em duas: nas consequências políticas práticas e no futuro político de Passos Coelho.
Ora, sendo puramente analíticos, o xadrez político do monopólio da ala mais conservadora tem consequências que, sinceramente, só deixam admirados quem não está atento. Há eleitorado conservador em Portugal quer à direita, quer à esquerda e esta ideia de maquiavelizar o conservadorismo é perigosa. Não porque se concorda ou discorda, mas porque os partidos políticos não são mais do que expressões da sociedade e espelhos de várias alas. Se um determinado partido político tem o aparente monopólio de uma determinada ideologia e se essa ideologia representar um forte mote de voto popular, adivinhe-se… o partido crescerá.
Não estou a dizer agora que a imigração regulada, a defesa dos valores familiares mais tradicionais e a rejeição da ideologia de género devam ser bandeiras igualmente aceitáveis e desejáveis na transversalidade do espetro político. Nada disso. Mas a consequência de, a um monopólio partidário de determinada ideologia com expressão no país, associar uma diabolização do conservadorismo em detrimento do debate de ideias, acaba numa bela caldeirada política. Os 50 deputados eleitos a 10 de março pelo CHEGA não estão TODOS associados ao facto de este ser o único partido que realmente mobiliza massas com os motes que referi. Mas a expressividade do número indica que claramente teve impacto. Veja-se o discurso de Passos na abertura da campanha da AD no Algarve. A insinuação de uma necessidade de maior controlo das portas ao país, numa zona que particularmente o sente mais, gerou críticas de praticamente todo o lado. É, no entanto, sempre muito engraçado quando o CHEGA tem a vitória eleitoral que teve, e se vê líderes políticos atuais e passados a determinar que “é um voto grande de protesto e é preciso ver o que correu mal”. Engraçado porque mantêm exatamente a mesma postura face a este eleitorado. Que existe. Que está lá. Que vota. Não desaparece. Está, aliás, bastante mobilizado, vejam-se os números da abstenção. Mas sim, diabolize-se. Depois não venham é com discursos de espanto, quando as evidências estão todas lá.
Por outro prisma, analise-se o momento de Passos Coelho. Teria a mesma postura e tento na língua caso estivesse à frente do PSD? Caso tivesse feito campanha e sentido as pessoas em pleno 2024? Ou está a preparar terreno para outros voos?
Se há quem diga que Passos pode estar atrás do lugar de Luís Montenegro, há também quem aponte para Belém. Há, afinal, uma eleição presidencial em 2026 que se prevê concorrida e incerta. Surge mais uma vez a questão do eleitorado conservador: ele existe, tem expressão e está mobilizado. Analisando a atual composição do Parlamento, o candidato presidencial que agregar mais eleitorado centrista ou mais eleitorado disputado entre AD e CHEGA será o favorito. O posicionamento político de Passos Coelho poderá ser verdadeiramente ideológico ou fruto de não ter estado à frente de nenhuma campanha eleitoral nos últimos tempos, mas também poderá ser uma jogada política. Que, a correr bem, pode resultar na sua pole position na corrida presidencial que se aproxima.
A conclusão que retiro é a mesma. O eleitorado existe e mobiliza-se. Que se trate de opiniões e liberdade de expressão com a seriedade devida e sem cair na tentação de marginalizar do debate de ideias esta expressão de eleitorado. Os últimos anos julgo já terem sido suficientemente empíricos do que acontece quando se o faz. Ou então que se repita e se faça exatamente o mesmo. Não abram é a boca com espanto e revolta quando a repetição da mesma fórmula derrotada voltar a não funcionar.
