O populismo, como conceito e prática política, tornou-se um tema central no debate público contemporâneo. A sua ascensão tem gerado análises diversas e muitas vezes contraditórias, refletindo a complexidade e a diversidade dos movimentos populistas. Este artigo visa explorar a definição, as características e as implicações do populismo na política atual, com base no texto “Foi você que disse ‘populismo’?” de António Bento.
Não existe um populismo único e universal: a diversidade de experiências políticas populistas impede a sua redução a um denominador comum. Os populismos emergem de contextos específicos e refletem uma multiplicidade de causas e características. Esta pluralidade dificulta a definição de um conceito unívoco de populismo e desafia a abordagem simplista que frequentemente é adotada pelos meios de comunicação e pelo “establishment” político??.
Um ponto central é a performatividade do termo “populismo” na esfera pública. Assim como um juiz que ao declarar “declaro a sessão aberta” efetiva a abertura da sessão, a acusação de populismo nos media transforma imediatamente o acusado em populista. Esta dinâmica performativa, associada à vaguidade semântica do termo, confere ao populismo um poder misterioso de atração e repulsa, manipulando a opinião pública de maneira eficaz??.
A natureza do populismo é agonística, o sentido de qualquer conceito político, incluindo o populismo, é determinado pelo seu antagonismo com conceitos opostos. Esta perspetiva schmittiana sugere que o populismo só pode ser compreendido em oposição ao “establishment” político e às elites. Portanto, a luta política entre populismo e anti populismo é, na verdade, uma luta pela definição e controle do poder político e da legitimidade democrática??.
Há uma tendência à despolitização das sociedades contemporâneas, promovida pela tecnocracia e pela governança neoliberal. O populismo surge, assim, como uma resposta à falta de representatividade e ao distanciamento das elites políticas dos problemas reais da população. Os populistas, portanto, não apenas demandam soluções imediatas, mas também reivindicam uma reintegração da política no cotidiano das pessoas, desafiando a expertise técnica que domina a tomada de decisões nas democracias liberais??.
Destaca-se a carga emocional associada ao populismo. Ao contrário das abordagens racionais e paternalistas que criticam o populismo por sua suposta irracionalidade, os populistas mobilizam emoções e identidades de maneira eficaz para desafiar o status quo. Esta mobilização emocional é frequentemente demonizada pelas elites, que tendem a ver o povo como irracional e incapaz de autogovernar-se, perpetuando um ciclo de exclusão e desconfiança mútua??.
Um ponto crucial é a relação entre populismo e soberania popular. Os populismos contemporâneos não rejeitam a democracia, mas criticam a insuficiência democrática das democracias liberais. Os movimentos populistas, ao reivindicarem a soberania do povo, expõem a tensão entre a democracia representativa e os desejos populares. Esta tensão revela a fragilidade das instituições democráticas e a necessidade de uma renovação da participação política que vá além das estruturas tradicionais de representação??.
Por fim, há que perceber que o futuro do populismo está intrinsecamente ligado à evolução das democracias contemporâneas. A crise de legitimidade que afeta os sistemas políticos atuais pode ser vista como uma oportunidade para repensar a relação entre governantes e governados, entre elites e população. Se os movimentos populistas conseguirem canalizar as demandas populares de maneira construtiva, poderão contribuir para uma democratização mais profunda e inclusiva??.
Concluindo, o populismo, longe de ser um fenômeno monolítico, reflete uma complexa interação de fatores políticos, sociais e culturais. A realidade desafia a visão simplista e pejorativa do populismo, leva-nos a propor uma reflexão mais profunda sobre as suas causas e implicações. Entender o populismo em sua diversidade é essencial para enfrentar os desafios políticos do nosso tempo e fortalecer a democracia.