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Com a publicação do resultado das eleições, o PSD coligado com o CDS, assumiu a governação. A maioria é relativa, sendo que a conjunção do número de deputados destes dois partidos com os da iniciativa liberal, não supera o total de deputados ditos de esquerda – PS, Bloco de Esquerda, PCP, Livre e Pan. O Chega assume particular relevância nesta contabilidade, já que com 50 deputados, tanto pode apoiar a coligação no governo, como pode deixá-la cair.

Para gaudio da comunicação social e de todos aqueles que embarcam no politicamente correto e numa série de definições de política que não passam de conceitos vazios completamente exauridos a que se juntam os epítetos de populismo, o PSD parece querer seguir a linha do seu líder, repetida continuamente, de não pretender qualquer acordo com o Chega. Raro é o dia que não se fale no Chega, na necessidade de colocar uma cerca sanitária, de o apelidar com um sem número de adjetivos negativos, sejam eles justos ou injustos.

O primeiro embate foi, logo, no início da legislatura com a escolha do Presidente da assembleia da República: foi um espetáculo degradante, não pela luta de poder, mas pela argumentação de uma pobreza estarrecedora: um esgrimir de justificações e acusações gastas onde a retórica já se esconde de vergonha.

É claro que o Chega fez o que lhe competia: esbracejou, lutou, berrou e alimentou-se, podendo, justamente, apontar: “estão a ver quando é preciso eles aliam-se, são sempre os mesmos, comem todos da mesma gamela!”. Foi para isto que quase 1.200.000 portugueses lhe confiaram o seu voto. Não foi por questões ideológicas, sequer confiantes, na sua maior parte, de que este partido cumpriria qualquer das suas promessas se fosse governo.

Subsiste no nosso país a marca deixada pelo regime anterior, não tanto pela PIDE, mas sim pela censura, em que se construiu uma sociedade do “respeitinho”, da alienação do conflito político. Na contemporaneidade, a maioria ainda pensa que o ideal é o consenso, essa espécie de adormecimento tão conveniente à dominação, à preservação do poder pelos mesmos. Passamos a uma democracia parlamentar, em que foram consignados uma série de direitos, mas que se olharmos com atenção, se pararmos para pensar, imediatamente vislumbramos traços oligárquicos bem marcados por trás da tão propalada democracia. Democracia, nos nossos tempos serve para tudo, sobretudo quando se trata de desqualificar o adversário.

No entanto, sopram ventos de mudança: essa é a mensagem dos tais quase 1.200.000 que demandam irreverência perante o “status quo”. Não se trata de ser contra a democracia, mas sim contra os que dela se julgam donos: foi possível nas imagens dos acontecimentos do início da legislatura, dar conta deles, sentir a náusea perante a pesporrência que até nas lágrimas se pôde encontrar. Na vacuidade das expressões sedativas do tipo “normalidade democrática”, “humildade democrática”, etç. Talvez fosse interessante solicitar aos políticos de inteligência tão refinada, que nos expliquem tais conceitos. É perante um acumular de situações, nas quais se incluem estas, que as pessoas – tenham elas o grau de instrução, a idade, posição social, mais diversa – escolheram este partido que o “status quo” pretende colocar à margem. Escapa a todos que se incluem nessa cruzada, que a forma de lutar com algo como o Chega é, precisamente, através da inclusão, da integração – expressão eufemística que normalmente equivale a domesticação -, em que rapidamente todo aquele fôlego alimentado pela retórica de café, desaparece perante a realidade da possibilidade de realização.

Irreverência, no sentido de consignar o necessário agonismo, do conflito político latente, é absolutamente necessário. Não obstante, talvez seja melhor chegarmo-nos à frente em vez de nos escudarmos num chega alimentado a “gás butano”.

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