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O ano de 2022 é especial para a Cultura. Celebra-se o centenário de nascimento de Saramago, celebram-se os 450 anos da publicação de Os Lusíadas de Camões. Não sei bem se isso diz alguma coisa à Cultura pacense mas, diz-me muito a mim!

Estudei e ensinei a ler a epopeia de Camões às centenas de alunos que estudaram comigo e, passados tantos anos, continuo a reflectir seriamente sobre o assunto. Como ler Os Lusíadas, hoje? Como ler Camões no tempo actual?

A pergunta que realmente importa é querer saber ou justificar por que chegou essa obra até hoje… e, de imediato, respondo: Chegou, porque há nela um núcleo essencial que continua a dialogar connosco. Há, tenho a certeza, n’Os Lusíadas, uma essência do humano que fala connosco. Bem sei, que ler Camões exige uma competência gramatical e vocabular acima do essencial.

Não duvido que é preciso conhecer alguma informação histórica para que não se tropece no caminho da leitura. Sei também que é importante o mundo em que estamos a viver, o que o meu tempo pensa mas, esse também será o repto que Camões lança na sua obra… Interessa-me pouco o que as pessoas acham que Camões queria dizer… Hoje, Os Lusíadas, nem sequer me dizem o que disseram há muitos anos atrás.

Há muitos mitos em torno de Camões e até o poder fez de Os Lusíadas um símbolo do nacionalismo e até do fascismo. Na verdade, bem feita a leitura, Camões fala mais da porcaria do país, dos seus mandantes do que da fé e do império!

Os Lusíadas contam, de uma forma grandiosa, uma viagem que deve ter sido terrível e muito difícil, mas dela saiu um enorme conhecimento e a certeza de que se poderia ir até à Índia… Hoje, fala-se também de um Camões esclavagista, que trouxe o escravo Jau do Oriente… Por outro lado, é preciso ver também como o Velho do Restelo pergunta por que razão os portugueses quereriam ser donos da Índia, da Arábia e Etiópia e qual a verdadeira razão de tanta ambição dos portugueses…

Disto tudo e que não é quase nada, é preciso mudar o modo como se lê e, sobretudo, como se ensina Os Lusíadas aos jovens alunos.

Ensinar Os Lusíadas não tem que ser um tédio! Qualquer obra literária tem sempre múltiplas hipóteses de leitura e a epopeia de Camões é uma enorme possibilidade de viagem do Professor com o Autor. Com os alunos, também.

A minha geração foi patrioticamente educada na leitura e estudo da obra em sintonia com a ideologia salazarista. Na época, como aluna, detestei esse estudo! Depois estudei, descobri e como Professora, nunca condicionei os meus alunos a um ensino-aprendizagem de acordo com o que tentaram ensinar-me.

Nada disso! A minha proposta foi a de ler o ontem com os olhos de hoje e, sempre, incutir nos alunos a descoberta do Renascimento, do Humanismo, para justificar a grandeza da epopeia Camoneana. É sempre preciso estudar os 4 planos temáticos do poema, a narrativa da viagem, o recurso à mitologia… e, mesmo sabendo que o manuscrito de Os Lusíadas foi censurado antes da sua publicação, nunca deixei de privilegiar os cantos ou os episódios que, no meu tempo de aluna, eram totalmente proibidos!

Hoje, de cada vez que ouço o hino nacional a exaltar os heróis do mar, a gritar às armas ou a marchar contra os canhões, ainda sinto um arrepio…

Hoje, é preciso ler Os Lusíadas criticamente, ideologicamente, sem esquecer que Camões criou uma obra susceptível de várias leituras. E começou, naturalmente, por inventar uma língua para a escrever… Para nos legar!…

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