Finalmente, a Ministra da Habitação mostrou-nos o Pacote e, na verdade, ele não é grande coisa.
Depois de meses do problema de a habitação estar no mediatismo da atualidade, foi apresentado o famoso Pacote da Habitação e as medidas nele incluídas pecam por saber a (muito) pouco. Da complexidade de “soluções apresentadas” a única que me parece que pode criar algum tipo de movimento digno de registo por parte dos investidores (os qualificados) é a aplicação do IVA a 6% para as empreitadas efetuadas ao abrigo dos contratos de desenvolvimento.
Há até algumas medidas que são um retrocesso como o congelamento das rendas anteriores a 1990 e a aplicação de um teto máximo 2% de atualização de rendas. Estas situações fazem com que investidores retirem casas do mercado porque o rendimento expectável não acompanha o mercado e veem ainda o seu património ser degradado e desvalorizado tendo em conta que existe uma inflação anual de cerca de 8%, com custos de reabilitação e manutenção com uma taxa ainda superior no seguimento dos custos atuais de materiais e mão-de-obra elevados, o que leva os investidores a não investirem no património, degradando-se.
Para poder apresentar meia dúzia de medidas que considero que teriam mais impacto, é importante enquadrar o mercado imobiliário habitacional, no seguimento do que tenho vindo a escrever algumas vezes.
Construir um edifício de habitação é um exercício caro, demorado, burocrático e de elevada complexidade. Apesar de todos os programas de reabilitação/ obras que proliferam atualmente nos canais de televisão generalistas e cabo (que levam as pessoas a pensar que qualquer um pode fazer esse trabalho, uma espécie de treinadores de bancada sem ter em consideração que esses programas são um “espetáculo de entretenimento” e não uma formação) a atividade de desenvolver um projeto imobiliário é complexa. Exige muitos parceiros, muito conhecimento técnico, muito dinheiro e muito tempo.
Desde que se tem a ideia, até à entrega da primeira casa, passam facilmente 4 ou 5 anos. Quantos estariam dispostos a colocar alguns milhões de euros “empatados” durante tanto tempo, num país pobre, que muda leis de ano a ano e que de 3 em 3 anos está em crise? Poucos, imagino. Mas o foco deste texto é o tempo que estes projetos demoram. Para um problema atual (a falta de habitação), esta não é a solução de curto prazo certamente.
Assim, considero que o problema deve ser dividido em 3 soluções: curto prazo, (resolver o problema imediato), médio prazo (resolver o problema até 2 ou 3 anos, já que ele continuará a existir nesse hiato de tempo) e a longo prazo (o prazo necessário para construir habitação de raiz).
No curto prazo, a única solução é a via fiscal. E neste caso o Governo deu um passo, mas um passo tíbio. A descida das taxas de IRS (para o senhorio) no arrendamento, teria de ser muito superior e teria de ser um verdadeiro incentivo. Ninguém vai tirar uma casa do alojamento local para poupar 3% em IRS (nem com o efeito combinado da subida da tributação do Alojamento Local). Dependendo dos escalões onde estão inseridos, e num período de provisório, mas fixo, de 5 anos (pelo menos) a taxa liberatória deveria ser 0% nos escalões mais baixos de IRS e no máximo 10% nos escalões mais altos (apenas por uma questão de equidade social). A taxa liberatória mais baixa para contratos mais longos não funciona porque poucos quererão fazer contratos longos num regime legal que protege muito os inquilinos e pouco os senhorios. A tributação do Alojamento Local (AL) deveria ser igualmente superior nas localidades com maior índice de falta de habitação (que nem sempre coincidem com elevados índices de procura turística). O objetivo final destas duas medidas é aproximar o resultado financeiro líquido das duas soluções de modo a incentivar os investidores a escolher a solução que dá menos trabalho, para um rendimento similar. Deveriam igualmente ser congelados os incentivos para nómadas digitais ou reformados estrangeiros. Ao contrário do que dizem muitas vezes, claro que há um efeito de aumento de preços quando temos milhares de pessoas com um poder de compra médio muito superior ao nosso a vir para Portugal de forma permanente e a comprar ou arrendar casa. Soluções conjunturais, portanto.
No médio prazo o Estado e as Câmaras Municipais podem e devem promover a reabilitação e recuperação de edifícios devolutos (do próprio Estado) que estão abandonados e que são facilmente adaptáveis às necessidades atuais (nem que implique legislação própria como foi efetuado para a Reabilitação Urbana). Refiro-me, na maior parte dos casos, a edifícios anteriormente afetos à atividade militar, a conventos, escolas, algumas residências de estudantes, etc. São processos muito mais rápidos e podem estar concluídos num prazo máximo de 3 anos, sendo que nalguns casos em menos tempo que isso.
No longo prazo (é aqui que o Estado falha consistentemente pela necessidade de planeamento e a maior parte das vezes por não caber no ciclo eleitoral) podemos efetuar desenvolvimento de edifícios de habitação com construção de raiz, numa ótica de construir e desenvolver a Cidade, de forma ordenada e pensada, com capacidade de integrar todos os seus segmentos sociais de uma forma homogénea e sem fricção. Neste caso, existe tempo para integrar todos os estádios do desenvolvimento imobiliário no tempo adequado. Esta solução serve tanto para o serviço público como para o privado. Mas o privado, tendo em conta o referido num parágrafo anterior, precisa de incentivos para alocar o seu capital (dinheiro) num negócio que lhe trará rendimento apenas a longo prazo (e numa rentabilidade relativa bem abaixo do que às vezes pode parecer). Precisa de estabilidade legislativa (leis estáveis no tempo), precisa de capital (financiamento parcial da banca) e precisa de um sistema sem fricção e homogéneo (menor burocracia nos licenciamentos e que esses licenciamentos tenham processos e procedimentos similares em cada uma das 308 câmaras Municipais do País, o que não acontece). Precisa ainda de incentivos para construir onde faz falta habitação para a classe média porque se assim não for, ele vai construir onde sabe que nunca faltarão clientes (as zonas mais caras, onde vivem o 1% de pessoas imunes a ciclos económicos). Desta forma, o IVA deveria ser passível de ser deduzido (atualmente não é) oo tributado à taxa reduzida de 6% (toda a habitação e não a habitação acessível, desde que em locais não “premium”). Tenderia a escolher a primeira. As soluções estruturais, portanto.
Algumas destas medidas teriam um impacto orçamental considerável, mas estamos num momento de emergência social e as medidas e gastos excecionais devem ser para estes momentos. Importante ter em consideração que estes empreendimentos criam postos de trabalho e pagam uma quantidade inqualificável de taxas e impostos durante a sua vigência (a esmagadora maioria às Câmaras Municipais). Nem tudo seria esforço do Estado. E as pessoas merecem.