O filósofo dinamarquês Søren Kierkegaard (sec. XIX) é uma das vozes mais contundentes contra o conformismo na história do pensamento ocidental. Para ele, a sociedade moderna caracteriza-se por uma tendência à massificação, na qual os indivíduos abdicam da sua autenticidade e responsabilidade em favor de uma aceitação passiva das normas coletivas. Esse fenómeno, descrito em obras como “A Doença para a Morte” e “O Desespero Humano”, revela uma profunda crítica ao espírito de rebanho que domina a cultura ocidental. Mas como essa reflexão se aplica à Europa contemporânea, especialmente num mundo cada vez mais multipolar?
A Europa, outrora centro incontestável do poder global, hoje enfrenta desafios que testam a sua capacidade de autonomia e liderança. O avanço da China como superpotência, a ascensão de potências regionais como a Índia e a reafirmação de uma Rússia geoestrategicamente agressiva colocam o continente diante de uma encruzilhada. O que se vê, no entanto, é uma Europa muitas vezes hesitante, presa a uma lógica conformista que impede decisões firmes e inovadoras. Seja na sua dependência económica dos Estados Unidos, seja na sua relutância em adotar políticas de defesa autónomas, o continente parece refém de uma inércia que Kierkegaard condenaria como sintoma de uma existência inautêntica.

A abordagem kierkegaardiana leva-nos a questionar até que ponto a Europa realmente age com base nas suas próprias convicções ou se apenas reage aos fluxos globais de poder. O filósofo enfatiza a importância da angústia como motor de transformação, um estado psicológico que leva o indivíduo – ou, por extensão, uma coletividade – a encarar as suas próprias contradições e, assim, buscar um caminho autêntico. Se a Europa deseja desempenhar um papel significativo no século XXI, precisa enfrentar a sua angústia e transformá-la numa fonte de renovação, abandonando o conformismo que a mantém dependente de outras potências.
A crise do conformismo europeu também se manifesta na sua dificuldade em lidar com novos paradigmas geopolíticos. Em questões como a transição energética, as novas tecnologias e as tensões migratórias, a União Europeia muitas vezes perde-se em burocracia e processos morosos, sem assumir uma postura inovadora e ousada. Kierkegaard alertar-nos-ia para o perigo de uma Europa que vive no autoengano, acreditando estar à frente das mudanças globais, mas, na realidade, apenas seguindo tendências impostas por outros centros de poder.
No fundo, a crítica kierkegaardiana ao conformismo não é apenas um alerta filosófico, mas um chamado à ação. A Europa tem uma rica tradição de pensamento crítico e inovação cultural, mas precisa de reencontrar esse espírito para não se tornar irrelevante num mundo multipolar. Isso exige coragem para desafiar velhas alianças, redefinir os seus interesses estratégicos e, acima de tudo, recuperar a autenticidade da sua ação política e económica.
Se Kierkegaard estivesse vivo hoje, certamente lembrar-nos-ia de que o maior perigo para a Europa não vem de fora, mas de dentro: da sua própria tendência ao conformismo. O futuro do continente dependerá da sua capacidade de superar essa barreira e agir como um verdadeiro protagonista da nova ordem mundial.
