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Entrevista: Norte lidera no número de queixas de abuso sexual na Igreja

Entrevista: Norte lidera no número de queixas de abuso sexual na Igreja

Desde janeiro, a Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais na Igreja Católica já recebeu mais de 200 testemunhos de vítimas de abusos sexuais cometidos por membros da Igreja.
Esta comissão nasce de uma decisão da Conferência Episcopal e é financiada pela própria igreja, pretendendo investigar 72 anos de abusos sexuais.

Até ao momento, a região Norte domina no número de testemunhos apresentados e já surgem indícios de encobrimento de alguns dos casos e de “desvalorização” das queixas apresentadas no passado, revelou Daniel Sampaio, psiquiatra e um dos membros da comissão, em entrevista exclusiva ao IMEDIATO.

Após cerca de um mês de trabalho, quantos casos de abusos sexuais foram comunicados à comissão?

Como já dissemos, ao fim de um mês de trabalho tínhamos 214 testemunhos validados. Duas semanas depois esse número foi ultrapassado em algumas dezenas. Não faremos a constante quantificação dos casos porque tal não parece útil, mas mesmo que só tivesse havido um testemunho era preocupante.

De que áreas são mais comuns os casos que chegam à comissão? Existe alguma queixa vinda da região do Vale do Sousa?

Não temos a contabilização por regiões tão específicas. No entanto, o Norte é a região com mais testemunhos.

Em termos temporais, é possível avaliar uma época específica em que os abusos terão tido uma maior incidência?

Os relatos ocorreram desde os anos 1960, mas são muito menos frequentes depois do 25 de abril de 1974.

Existem indícios de que a Igreja Católica tenha encoberto algum destes casos? De que formas?

O fenómeno de encobrimento é regra em todas as situações de abuso sexual. Na Igreja portuguesa também, há muito se sabe disso. A forma mais frequente é a colocação do padre noutra região.

Uma vez que a comissão nasce de uma decisão da Conferência Episcopal e é financiada pela igreja, como é mantida a independência do trabalho?

A independência é total, nem aceitaríamos que fosse diferente. Somos profissionais com experiência nas áreas respetivas que aceitaram este trabalho pela sua importância.

Quais são as formas mais comuns de contacto? Qual é o seguimento dado a cada caso? Existe um encaminhamento para autoridades judiciais?

A forma mais comum de contacto é através do telefone, também existem contactos por e-mail. É solicitado, em cada caso, o preenchimento de um inquérito online. Todos os testemunhos são anónimos e em todos é verificado o enquadramento pela lei penal, através de articulação com o Ministério Público e Polícia Judiciária.

Caso seja essa a sua vontade, de que forma é garantida a privacidade de quem faz a denúncia?

A privacidade é sempre totalmente garantida, porque os testemunhos são anónimos. Nalguns (poucos) casos, a vítima pede um atendimento presencial, que é feito por dois técnicos da Comissão.

Quais os impactos destes abusos nas vítimas? Já tinham sido apresentadas queixas?

O impacto psicológico é muito significativo, pela vida toda. São situações de sofrimento muito difíceis de ultrapassar. Em muitos casos, as queixas anteriores não foram valorizadas.
Só é possível atuar pela justiça nos casos não prescritos sob ponto de vista legal. Mas o facto de terem testemunhado já tem um profundo efeito reparador.

O que representa para a comissão a possibilidade de consultar os arquivos diocesanos?

É crucial consultar os arquivos diocesanos. Esperamos total abertura dos bispos para essa tarefa, sem a qual a nossa tarefa ficará muito incompleta.


Contactos

As denúncias e testemunhos podem chegar à comissão através do preenchimento de um inquérito online em darvozaosilencio.org, através do número de telemóvel +351 917 110 000 (diariamente, entre as 10h e as 20h), por correio eletrónico, em geral@darvozaosilencio.org e por carta para «Comissão Independente», Apartado 012079, EC Picoas 1061-011 Lisboa.

O grupo é coordenado pelo pedopsiquiatra Pedro Strecht, e integra também o psiquiatra Daniel Sampaio, a socióloga Ana Almeida, o juiz e ex-ministro Álvaro Laborinho Lúcio, a assistente social Filipa Tavares e a cineasta Catarina Vasconcelos. Um relatório final deverá ser apresentado em dezembro.

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