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Olho a página onde vou escrever e sinto que o gesto é difícil, quase impossível mesmo. As pessoas andam distraídas, empenham-se com as férias, o futebol, as idas aos concertos… Tantas formas de matar o tempo! Às vezes, enquanto estamos a ler, enquanto estamos a olhar qualquer coisa que não vale quase nada, há casos horríveis que estão a acontecer… Tantas coisas que passam quase despercebidas a muitos de nós porque… porque fingimos, quase fingimos que não sabemos de nada, de quase nada do que está a acontecer. No mundo em que vivemos, naturalmente!

Saltei, voluntariamente, para a Ditadura iraniana e falo de Narges Mohammadi, que escreveu um livro, Tortura Branca – Testemunhos de Prisioneiras Políticas Iranianas, cuja introdução diz o seguinte: “Escrevo este prefácio nas últimas horas da minha autorização para voltar a casa. Muito em breve terei de regressar à prisão…”

A Prémio Nobel da Paz de 2023, Narges, entrou pela última vez na prisão a 1 de Abril de 2022, no dia em que celebrava 50 anos. Em 2021 foi presa pela décima segunda vez e condenada ao confinamento solitário. Desta vez, o motivo da sua detenção foi o livro citado que já chegou às livrarias. E que faz estremecer quem o lê… A tortura branca de que fala o livro, que reúne o testemunho de 12 mulheres que foram sujeitas a longos períodos de confinamento solitário, não atenua e faz tremer o leitor que aí vê escrito: “Eu gosto do caminho que decidimos seguir, lutar pela liberdade.” Ou ainda: “Espero que os meus filhos deixem a fase de nos perdoarem e nos venham ajudar….”. O que é isto? Que força é esta? Por mais resistente que seja o leitor, este livro da iraniana Narges Mohammadi, é a voz clara dos que se sacrificam pela liberdade dos outros, é um acordo entre nós, todos, para que sejamos a voz dos outros… Narges M. . licenciada em Física, foi, é, activista, ligada ao desporto, montanhismo, escalada… e Rahmani, o marido, escritor, que ouviu a mãe chorar, a avó chorar e que lembra que ainda em liberdade, já teriam adoptado o lema:” Mulher – vida – Liberdade”, que simboliza claramente a luta das suas vidas. De que todos já ouviram falar…

Neste momento, bem sei, o tema deste texto começa a não interessar mas, se o “teste do pato” diz alguma coisa de interesse a alguém, poder falar da luta pela liberdade, é sempre uma causa maior… Narges M. não ouve a voz dos filhos há dois anos mas não vai descansar até lhes deixar um Irão livre, o que ela defende e que é a sua luta. Há sete meses que não fala com ninguém. Tem resistido a tudo e este livro, Tortura Branca é uma denúncia, é uma forma de lembrar que há quem lute, quem sofra para que haja liberdade! Para que não haja celas solitárias no Irão…

Viver assim é mesmo muito difícil mas ainda há quem resista e quem lute! A luta de Narges faz-se por milhões de crianças, pelos seus filhos e pelos filhos dos outros. Agora, quase a chegar ao fim, abalada pelas palavras que leio, associo-me ao que diz Rahmani, ao que diz Narges sobretudo, em momentos diversos da sua vida: “Eu gosto do que faço, não conheço nada melhor para fazer no mundo que lutar pela liberdade.”

Quase, quase a  chegar ao fim, abalada pelo testemunho profundo de uma mulher diferente, fica a minha certeza: vou incomodar-me com promessas que não se cumprem? Vou aborrecer-me porque chove ou faz sol? Não, nada disso conta se o que importa é o caminho que se quer seguir… Muito, muito duro, às vezes!

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