Modelo Opiniao
  1. Como se não bastasse a crise política associada à demissão do primeiro-ministro e, consequente, queda do governo, vemos o Presidente da República a ser capa de jornal ou abertura de noticiários, não pelas suas Marselfies ou Marcelices, mas sim pela alegada cunha do seu filho, o Doutor Nuno Rebelo de Sousa, no caso das gémeas luso-brasileiras.

 

  1. Que existiu um email do filho, o Doutor, para o pai, o Professor e Presidente, com um pedido de intervenção, como quem diz, cunha, para acelerar o acesso, em Portugal, ao medicamento mais caro do mundo, para tratamento da atrofia muscular espinhal de duas crianças gémeas, na altura de nacionalidade brasileira, não há dúvida. Que o pai, Professor e Presidente, fez diligências para serem dadas respostas ao filho, Doutor, também está confirmado. Que o pedido saiu da Presidência rumo ao Governo da República, aparentemente anonimizado, igualmente confirmado. O que aconteceu depois disto? Até à data da escrita deste artigo, existe uma névoa, densa, a cobrir Belém e S. Bento.

 

  1. O caso, pelo seu conteúdo e magnitude, deve merecer a maior atenção e investigação por parte das autoridades, de forma a esclarecer e, se for caso disso, fazer acusação dos envolvidos. No entanto, o julgamento em praça pública, sem contraditório, com base em informações incompletas, de um processo complexo, repleto de lacunas, dúvidas e sombras, fomentado por um jornalismo a perder poder na sociedade, sedento de escândalos e pressionado pelas audiências, não pode ser aceitável num estado de direito democrático. O Presidente da República não está acima da lei, não é intocável e muito menos está livre do escrutínio público da sua conduta pessoal e política. No entanto, pelo lugar que ocupa como o mais alto magistrado da nação e como referência, garante e âncora da democracia, não pode, nem deve, ser arrastado para o jornalismo e política taberneira, lamacenta e mexeriqueira.

 

  1. Embora toda a inicial gestão deste caso, por parte de Marcelo Rebelo de Sousa, tenha sido confrangedora e intrigante, após vir fazer o esclarecimento público dos factos que dizem respeito à intervenção da Presidência da República no processo, era esperado que o nome do Presidente, noticiado como quase único interveniente no caso, fosse colocado em segundo plano. Que o filho, usou o nome do pai é claro. Mas assinar, ou nomear, Rebelo de Sousa, não pode significar envolvimento e culpa de Marcelo. Quem conhece a história e personalidade de Marcelo Rebelo de Sousa saberá que não tolera que filhos ou enteados de algo sejam fidalgos. E muito menos aceitaria, conscientemente, que o filho fizesse uso do seu nome para fazer pressão junto do governo, obter favorecimentos ou tentar corromper o sistema.

 

  1. Os meios de comunicação social tradicionais, pressionados pela perda de influência na sociedade relativamente às redes sociais, perceberam, com os recentes casos políticos no país, que podem ter poder na vida política nacional. Exonerar ministros, demitir primeiros-ministros ou, agora, fragilizar a instituição que é o Presidente da República. Alimentando-se destes escândalos, repetidos de hora a hora nos canais noticiosos 24h, sustentam o crescimento do populismo, abutres que se alimentam da podridão do sistema e da sociedade. A ideia que passa é que todos os políticos, inclusivamente o Presidente da República são corruptos ou corruptíveis. Apenas os cavaleiros da moral, da verdade absoluta, da doutrina imaculada, é que estão puros para serem ou estarem no poder.

 

  1. Recuso-me a aceitar esta narrativa. Na política e na causa pública há gente séria, que se mantém fiel aos seus valores, luta e acredita no estado de direito e na democracia. E continuo a figura do Presidente da República é o garante destes valores na nossa sociedade. Os políticos não são, nem podem ser, todos iguais!

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