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O poder, o qual é inerente à existência das comunidades políticas, carece de legitimação e não de justificação. Não existe apenas uma diferença semântica entre os termos. Como Arendt [1] observa, o poder nasce da partir da ação concertada de um conjunto de pessoas, extraindo a sua legitimidade da reunião inicial mais do que em qualquer ação subsequente. A legitimidade, quando contestada, toma respaldo no passado, ao passo que a justificação se refere ao futuro.

Esta diferenciação é absolutamente fundamental no que toca à perceção da atuação política, nomeadamente naquilo que relaciona o poder com a violência, seja ela estrutural, seja ela instrumental. A violência pode ser justificável, mas apenas a estrutural almeja à legitimidade, a qual lhe é conferida pelo Direito. A plausibilidade da justificação da violência, sobretudo da estrutural, vai-se perdendo com o aumento da meta temporal do fim proposto. Dificilmente alguém discute a violência usada na defesa própria : o perigo é atual e a violência imediata.

Nas democracias, ditas liberais, há muito que a preocupação com a legitimidade é uma preocupação, sendo que a justificação, quando surge, de facto, parece confundir-se com a primeira, do mesmo modo que se identifica adesão com obediência. Na verdade, a partir da ideia de que poder social emana do Povo, passou a recorrer-se mais a processos que induzem à adesão do que à obediência. Conforme Tocqueville [2]  afirmava já no século XIX, as pessoas, embora discutam incessantemente sobre quem deve deter a soberania, não colocam em causa essa soberania, tida como o sistema de poder único ao qual se reconhece a referida legitimidade.

Evita-se, assim, a dominação pela violência instrumental, uma vez que esta não depende do número ou de opiniões, mas sim dos instrumentos os quais ampliam a potência humana. São comuns os exemplos de perceber que o poder nada pode contra a violência instrumental: o confronto não é com humanos, mas com ferramentas por eles utilizadas, cuja inumanidade e eficácia destrutiva aumenta a distância que os separa dos adversários. A violência permite a destruição do poder e, consequentemente, a obediência mais instantânea e completa.

No entanto, violência e poder não se podem confundir. O poder dificilmente é bem-sucedido tendo como origem a violência. Não significa isto, que andem sempre juntos e que combinados quem sobressai é o segundo. Todavia, como se percebe, na atualidade, quando aparecem no seu estado puro, por exemplo, em invasões, torna-se extrordináriamente difícil estabelecer a dominação a partir da violência, exceto se o poder do invadido for muito fraco. O mesmo é aplicável a outro tipo de ações onde o povo não adere a algum tipo de determinação política: a violência instrumental só funciona se o movimento de repulsa por essa determinação for fraco. Eis a derradeira lição do que pode ser a ação cívica.

 

Referências:

  1. Arendt, H. (1994) On violence (1969) trad. port. Sobre a violência, Relume Dumará, Rio de Janeiro.
  2. Toqueville, A. de (2008) Da Democracia na América, Relógio d’Água, Lisboa.

 

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