Já se sente um frio de rachar e ouve-se o martelar das marretas já de madrugada, no largo tradicional e outros espaços habituais, para por em pé as barracas e toldos que se erguem e se estendem pelas avenidas. Os mais apressados já deixam soltar os aromas do porco assado e o do tinto que o há de acompanhar mais as farturas à moda de Lisboa.
O bacalhau já está de molho e em breve assentará nas brasas de carvão que o empregado de ocasião abana para as manter em chama, ali junto à mulher dos tremoços e do homem que passa com balões no ar, e onde aproveita para se aquecer. Vai frio desagradável mas é altura dele.
Ainda não estamos no dia dos santo mas a fome é de qualquer altura e agora ainda é manhã mas um copo de tinto vem mesmo a calhar para tirar estes arrepios enquanto se mastigam umas castanhas bem quentes e boas. Os carrosséis vão ganhando forma e alguns já rolam numa espécie de acontecimento anual e ensaio de fim-de-obra para o público que promete aparecer tal como a chuva habitual, mas para já só se vê a estudantada a dar presença e a matraquear enquanto as raparigas assistem, participam, se divertem, riem, e tremem. É o reboliço próprio de véspera que anunciam os dias verdadeiros que a feira vai ser longa e é preciso temperar os gastos.
As galinhas já foram peladas, extripadas e aguardam amontoadas a sua vez junto do calor em brasa onde as febras já apetecem serem trincadas e amolecidas com um copo acabado de sair da pipa de vinho novo. Os homens dos altifalantes fazem a “sua-feira” para alertar e chamar para a feira os que andam a percorrer a azáfama que se repete anualmente que a pandemia fez suspender no ano anterior e tem este sob vigilância mas tolerância alargada, que o município precisa de dinheiro e dos feirantes a entrar com a sua contribuição cada vez mais cara.
Daqui até ao auge da “balbúrdia” ainda faltam uns dias e muito trabalho e a recolha dos fundos falta também fazer pelos funcionários escalonados para a tarefa e enchimento do cofre camarário. Ninguém pode escapar aos impostos dos que trabalham seja na feira, seja em recreio ou gozo de tal acontecimento, que a uns aquece e a outros aborrece pelo barulho que tira o sono aos menos dados a tais “festas” marteladas e cheiros dos defumados.
A nós parece-nos que nada será igual a anos anteriores. O dinheiro é pouco e o prazer esmoreceu com a pandemia que teima andar pelo meio. Mas haverá sempre tempo ou ocasião para dar uma dentada na “antiga fartura” que já os avós nos levavam para casa em saco de papel ao fim do dia, como testemunho de que feiraram e quem sabe se viram algumas moças por quem se perderiam, não fosse já o reumatismo atacar, e com este frio ainda pior.
O calor já não é o mesmo e só o copito repetido remediará e alguns aconselham. O vendedor de cobertores da serra e albardas, está a postos para os vender e a eles juntar mais umas ofertas a quem comprar um, que ainda leva de borla um guarda-chuva e mais uma meias de lã que aquecem os pés enquanto não romperem pelos calcanhares logo aos primeiros dias de uso.
Neste dia as rixas já foram moda, mas não têm acontecido e ainda bem. O povo está mais moderado e demora-se menos para chegar são e salvo a casa e sem grande bebedeira. A “festa-feira” hoje é mais sossegada e o povo mais teso que nunca não se excede tanto como foi costume no tempo dos nossos pais e avós. Tudo vai mudando e os velhos hábitos agora são mais refrescados e foram transferidos para as casas de diversão nocturnas onde a violência, aí sim, tem lugar. Por ali o carrossel tem outra velocidade, conforto, e ameaças mais jovens.
Só não tem tantas febras, tantas farturas a não ser umas “castanhadas, hoje mais raras, e onde param mais melões” irracionais que entram na dança. Os “media” assim o tem relatado por várias vezes, até demais para o nosso gosto. É S. Martinho das castanhas, do presunto e do vinho-novo!
Leia mais artigos na página de opinião do IMEDIATO.