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O Movimento de Ação Ética, cofundado há três anos por nomes da direita mais conservadora, como Bagão Félix e Paulo Otero, entre outros, e coordenadores do livro Identidade e Família, pretende avançar com uma proposta de criação do estatuto legal e fiscal de “mulher dona de casa”. Paulo Otero reiterou em entrevista televisiva que este estatuto não deverá contemplar os homens, porque “Há coisas que só as mulheres podem fazer. Há afetos que só a mãe pode dar, por mais presente que seja o pai“.

O que propõem é uma ofensa não só para as mulheres, mas também para os homens. Pelo menos para aqueles que não querem ser retratados como uns sem afetos, homens que não choram, que se limitam a beber cervejas e discutir futebol com amigos e que nem um ovo estrelado sabem fazer. No fundo, homens que valorizam as mulheres e são, eles mesmo, feministas.

Comecemos por uma análise simples: para estes senhores, os homens, cuja capacidade intelectual fora de casa parece ser superior, não são capazes de cumprir funções como aspirar o chão, lavar a loiça, cozinhar, acompanhar consultas médicas e os filhos na escola, mudar fraldas ou limpar rabos? Se os homens não são capazes de tarefas consideradas há séculos inferiores, fará sentido depositar neles a liderança do nosso país? Irónico. Segue-se outra questão: os homens são progenitores e cuidadores de segunda categoria? Não estão aptos para os afetos? Sendo homem, sinto-me insultado por tudo isto.

Se formos sérios nesta discussão, o que está em causa é o estatuto de pessoas prestadoras de cuidados domésticos e familiares, um trabalho que já deveria ter sido reconhecido há muito tempo – e que teria tido um impacto gigante na liberdade individual, alavancada pela liberdade financeira, de milhões de mulheres que foram vaticinadas à submissão e à total dependência por nunca este seu papel ter sido reconhecido no passado. Digo passado, porque foi nesse tempo o único lugar possível para muitas mulheres. Em 2024, o mundo mudou e estamos longe dessa realidade.

Hoje as mulheres são metade da força laboral deste País. São massa crítica, reconhecida e necessária nas mais diversas áreas, são papel ativo no potencial económico do País e força em crescimento na liderança de todos os sectores. Muitas mulheres continuam, sim, a ter a sobrecarga dos chamados modelos tradicionais dentro das portas de casa, onde as mentalidades tardam em mudar. Muitas, são obrigadas a estagnar as suas carreiras pela maternidade, pela prestação de cuidados, muitas nem sequer conseguem ascender a posições de liderança porque são rotuladas à cabeça como menos disponíveis. Muitas continuam a sofrer com a disparidade salarial que persiste em Portugal.

É tempo de entendermos que estes estereótipos penalizam uma grande fatia de homens que querem fazer diferente, e que também são travados pela desconfiança da mudança de paradigma sobre as funções, os deveres e o compromisso de cada um na família. A começarem a ser penalizados pelo o aumento exponencial de licenças parentais entre os homens.

É de um enorme desrespeito intelectual tentar passar este “estatuto de dona de casa” como uma forma de proteção às mulheres. Não passa de uma tentativa de camuflar a verdadeiras intenções, que, no fundo, se prendem com pôr um travão à participação ativa das mulheres na nossa sociedade.

Este País não é só de homens, é também de mulheres.

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