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A questão que apresento no título não é, rigorosamente, uma pergunta retórica mas não deixa de ser uma proposta de análise a tudo o que aconteceu, recentemente, com Eça de Queiroz, um dos nossos maiores escritores…

Depois de longas disputas, propostas e discussões, de familiares do escritor, os restos mortais do autor realista, foram finalmente trasladados para o Panteão Nacional.

Finalmente, no sentido do alívio para quem propôs a ideia e depois de decidida uma longa batalha judicial. Dos vinte e dois dos bisnetos do escritor, só seis eram contra… Assunto arrumado ou… talvez não!

É impossível ultrapassar este recente acontecimento sem pensar no que poderia ter desejado o escritor já que se sabe, sabem todos os que estudaram Eça de Queiroz, que o escritor nunca se pronunciou sobre esse assunto., Sabem, sabemos todos os que estudaram o escritor, que Eça era um homem de cidade e, como tenho escrito também, Eça só visitou a quinta de Stª Cruz do Douro, em Baião, duas vezes e, como já também registei em livro, só lá terá passado, cerca de 15 dias… Achou aquilo horrível, a casa muito feia, em ruínas, sem motivos de interesse…

Quando morreu, muito novo, perto de Paris, foi trasladado para o cemitério do Alto de S. João, em Lisboa e aí permaneceu perto de 90 anos. Porquê? também porque Eça preferiu sempre a cidade, porque Eça conheceu e descreveu Lisboa como ninguém, porque o espaço de grande parte da sua obra se situa na capital… Os Restauradores, o Chiado, o Rossio, o Teatro da Trindade, o Hotel Bragança, o Teatro de S. Carlos, a Casa Havaneza… etc, etc, surgem na sua obra como imortalização do espaço que é nosso, que é de Eça, através da sua obra. Então, terá sido oportuna a colocação dos seus restos mortais, com honras de Estado, em Lisboa. Depois, em 1989, foi trasladado para o Cemitério de St.ª Cruz do Douro, em Baião. Um erro, na minha opinião! Nunca houve fundamentação, nem na obra, nem na correspondência de Eça, para dizer que os ossos do escritor deveriam ficar no Douro… Agora, mais recentemente, terá sido o que se viu e volta a pergunta: Eça, o que teria pensado da decisão, da cerimónia também?

De acordo com Carlos Reis, professor de Coimbra e célebre queirosiano, o caso está fechado e eu penso que não… Um outro professor universitário sublinha a queixa de que em Portugal é homenageado quem não merece…  Não será o caso da mais recente cerimónia mas, será mesmo necessário pensar no que diria ou escreveria Eça sobre tudo o que recentemente aconteceu. No seu tempo, nos seus livros, nas suas crónicas jornalísticas também, Eça, usando uma fina ironia, uma sátira mordaz sobretudo, ajudou-nos a compreender o mundo, o país, e ainda ajuda a compreender-nos hoje.

Eça ajudou-nos a descobrir o país, a sociedade do seu tempo, através da caricatura, do retrato da sociedade… Ainda em Coimbra, estudante de Direito, lia Proudhon, Comte, Flaubert… e começava a considerar o país uma “choldra ignóbil”. Depois, n’Os Maias, por exemplo, dizia: “Aqui importa-se tudo: Leis, ideias, filosofias, teorias, assuntos, estilo, indústrias, modas, maneiras… Isto é uma choldra torpe”. Foi assim, foi por tudo isto também que Eça sempre procurou sair do país, para viver na cidade, naturalmente… “Portugal atabafava-o.”

Isto e muito mais, ajuda a constatar que Eça nunca gostou do campo e não estaria bem em Stª Cruz do Douro… E agora? É sabido que Eça criou tipos sociais e humanos que são do seu e de todos os tempos. É sabido que continuam por aí os Conselheiros Acácios, os primos Basílios, os supostos poetas, os falsos políticos e tantos, tantos outros, personagens que foram do tempo de Eça e que são de hoje, iguais, iguais… Quantos olhares, quantas palmas, quantos rostos supostamente sentidos que estiveram naquela cerimónia e que nunca terão lido uma página, uma linha de Eça? Quantos Condes de Gouvarinho ou quantos poetas Alencar terão sentido o mesmo que essa personagem criada por Eça: “Estou à espera que o país aprenda a ler”, escreveu o autor realista em Os Maias…

Desencantado com o seu país, desencantado sobretudo com as elites culturais e políticas, Eça traçou perfis humanos que são iguais aos de hoje, usou uma linguagem irónica e mordaz que foi, que é única e, sobretudo, fez uma caricatura do que viu, do meio social onde sempre quis viver e foi um artista, um mestre na narrativa. E escrevia sempre, torrencialmente, de pé, horas a fio… E se nunca escreveu ou disse o que desejava para si, após a sua morte, agora chamou-o o Panteão… Talvez longe do que deveria ter sido, isto é, com cerca de 125 anos de atraso!

Disto tudo que não é quase nada para o que seria preciso salientar, resta-me, quase só, desejar que as Escolas se esforcem por estudar Eça como merece ser estudado!Não me parece que, hoje, os Programas de Português proponham uma leitura eficaz da obra de Eça e não acredito que os alunos tenham, actualmente, uma visão capaz do nosso maior escritor realista. Porque é preciso saber ler e estudar Eça!

Talvez Eça não precise sequer do Panteão… Talvez Eça tenha esboçado um sorriso ou uma gargalhada irónica pelo que viu nos rostos fechados dos que assistiram à cerimónia… Talvez Eça se tenha interrogado sobre o número de páginas lidas, por cada um dos presentes…Talvez Eça tenha sentido que muitas daquelas vénias foram mesmo hipócritas… O que diria Eça daquela cerimónia? Que considerações teceria sobre aqueles, tantos, que o homenagearam nos seus fatos aprrumados? Belas sugestões para uma crítica mordaz e irónica de Eça…

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