No seguimento do artigo anterior continuamos, então, essa possibilidade de sentir a vida a partir do progresso ou da prosperidade.
Na contemporaneidade, podemos verificar a neutralização do conceito de progresso: a ideia de progresso livre de valores. Nesta ideia, por um lado, inscreve-se a impossibilidade da perfeição humana derivar apenas do progresso técnico e, por outro, a condução do elemento qualitativo para a utopia. Contudo, ela contém uma valorização, a qual «postula o princípio imanente do progresso,»[1, p. 58] sob o qual a sociedade atual se desenvolve empiricamente, a saber : a produtividade. Falamos de produtividade como máximo valor a obter no sentido de um crescente aumento quer de bens materiais, quer de bens espirituais, mas também do domínio da natureza. Produtividade, cujo conceito, em termos de valores, se torna desonesto, quando ela permite suprir necessidades que vão além da alimentação, do vestuário, da habitação e incluem “items” como bombas, máquinas de jogo e até de destruição de provisões não destinadas à venda. Torna-se assim em algo que tem o seu fim em si, pelo que o seu emprego, neste contexto, é posto de parte.
Porém, a produtividade inclui-se no atual conceito de progresso, «daí resulta que a vida é vivida e experimentada como trabalho, e que o próprio trabalho não é mais do que contexto da vida, quase como se fosse uma razão de ser.»[1, p. 59] O trabalho tido como uma ocupação socialmente útil e necessária, mas poucas vezes satisfatória em termos individuais. Quando se torna quase como a própria vida do indivíduo – o trabalho pleno de alienação -, recusa-lhe a realização das suas capacidades e necessidades humanas, permitindo-lhe, quando muito, uma satisfação superficial de caráter secundário, quase sempre, após o trabalho. Tal, significa, na ordenação de valores do conceito de progresso atual, que satisfação, realização, paz e felicidade não são os principais objetivos, ficando estes, perante a sua possível aceitação, numa escala reduzida dos valores.
Trata-se de uma ordenação de valores característica deste conceito de progresso: a divisão do ser humano em potencialidades mais elevadas, espirituais, e outras mais baixas, as que têm a ver com os instintos. «A razão aparece essencialmente como renunciador, e renúncia é um princípio conseguido ao cabo de uma certa luta , que tem por missão, não só conduzir e orientar as baixas potencialidades humanas, como também, e muito especialmente, reprimi-las.»[1, p. 60] Consequentemente, retira-se daqui a liberdade da obrigatoriedade, uma liberdade que surge como transcendência à satisfação, exatamente como a produtividade à qual pertence, como algo que tem o fim em si. Surge como vício e como sobrecarga: é a liberdade da miséria , a liberdade do trabalho, a liberdade acorrentada, «apregoada como a coroa da existência humana e como aquilo que caracteriza o [ser humano.]»[1, p. 61]
Particularidade da ideia contemporânea de progresso é a valorização do tempo. Tempo experimentado de uma forma linear. O presente é vivido relativamente a um futuro cada vez mais incerto. Este mostra-se ameaçador com o presente sendo percecionado sob a sombra do medo. O passado que não se repete, que não foi vencido, marca o presente. Neste tempo pleno de realizações , a duração da satisfação e da felicidade individual, o tempo como paz, só podem ser imaginados, ou sobre-humanamente como a eterna bem-aventurança pressuposta como possibilidade após a morte, ou sub-humanamente com a negação do humano na ânsia de eternização do momento de felicidade.
Em resumo, como consequência do que foi exposto, percebe-se que o progresso se encontra carregado de ausência de paz, ausência de felicidade, de negatividade. Esta negatividade parece a força motriz do progresso, isto é, «o progresso só se torna possível através da transformação da energia proveniente dos instintos em energia útil e socialmente produtiva»[1, p. 69]: o círculo vicioso do progresso.
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