Numa realidade cada vez mais marcada pelo apelo à eficiência, à noção de falta de limite ao que cada um pode atingir, em que cada ser humano é “comoditizado”, o fracasso traz o ressentimento e tolda a visão do mundo a cores, em toda a sua complexidade. Este apelo é binomial, tudo é a preto e branco. Cinzento é o rancor recalcado, refletido em tudo o que possa ser constituído como inimigo, real ou apenas produto de uma construção.
O discurso politicamente correto não ajuda, enfada , cria uma certa náusea e aumenta a tensão. Na mesma linha, a deriva da democracia, a partir de uma ação política, consoante a métrica do sentir da opinião pública, aumenta a desconfiança para com os políticos que, nesta vertente , se constituem mais como fornecedores que querem manter os clientes agradados.
Deste modo, o discurso panfletário, aquele que apela aos sentimentos mais primários dos seres humanos, que consegue acionar o ressentimento, colhe cada vez mais adeptos no mundo, incluindo a comunidade europeia, onde os países integrantes possuem compromissos assumidos, com a sua entrada, relativamente à manutenção da Democracia. Retrocessos civilizacionais, que muitos julgavam não ser possíveis, efetivam-se, em alguns casos, com a tentativa de eliminação da separação de poderes ou com a captura dos meios de comunicação social , para dar apenas dois exemplos.
Este tipo de discurso, aproveita, também, uma das características do nosso tempo, o da volatilidade da informação. A velocidade a que se produz e consome a informação, impele a uma intensificação da criação da verdade a partir de construções do momento e não a partir da realidade. A incoerência já só existe para os que gastam tempo com análises, para o resto é apenas uma ferramenta semântica retórica que aborrece. Assim, a inconsistência da falta de uma linha de atuação nem sequer é notada: tudo, como disse acima, é a preto e branco. Mas estas inconsistências , este colar de vários tipos de filosofias, o constante desprezo pelo sistema através do sistema , pode evidenciar algo mais do que uma crise. Alguns dos sinais fazem lembrar o desenho que Umberto Eco faz do Fascismo Eterno. Se se trata de um revivalismo de fascismo, não sabemos e , com certeza, não será nada igual a essas correntes no passado, pois os tempos são diferentes. Do mesmo modo, algo com ideologia bem definida, como o Nazismo ou Leninismo, terá , também, dificuldade em impor-se, até porque carece de uma elaboração que não se compadece com a tal velocidade dos nossos tempos. A incoerência , essa, sim, tem caminho , até porque a fronteira entre a incoerência antidemocrática e a dos políticos do sistema, é muito ténue.
Há um certo desnorte, causado pela pandemia a que se seguiu a guerra na Ucrânia, que tem feito agudizar os efeitos da inflação, os quais se tentam combater , de um lado com aplicação de receitas semiempíricas e liberais por políticos não eleitos, portanto, de proteção ao capitalismo; do outro lado, pelo “despejo” de dinheiro dos governos na forma de pequenos subsídios que nada resolve. Ao invés de pensar e adotar uma estratégia que promova o fortalecimento e independência da comunidade a que pertencemos, a tentativa de eternização no poder dos políticos, ditos do arco do poder – atente-se no caso quase pornográfico do que passa em Espanha – tornam o terreno fértil extraordinariamente propício à proliferação de fenómenos políticos conotados com extremismo. São fenómenos que exigem uma atenção e ação para além do comentário estéril, sobretudo quando se percebe que a ânsia de poder é comum a quem se diz do sistema e a quem se diz contra ele. Esta ânsia, faz com que aquilo que se chama realpolitik venha ao de cima, esquecendo e/ou mascarando princípios, numa espécie de déjà vu , que tantos problemas causaram no passado . Esperemos não dar de novo razão a Hegel, quando ele afirmou que a história ensina-nos que nada aprendemos com ela.