Os pelourinhos e os cruzeiros são muito variados, consoante os séculos, a inspiração laica ou religiosa, a escola do escultor, a arte do mestre de cantaria ou a inspiração do pedreiro da terra. Na imensa variedade, encontramos duas caraterísticas inalienáveis: uma coluna de pedra como peça principal e um espaço circundante livre e desimpedido.
Em 1953 construi-se o cruzeiro de Coreixas, no largo da antiga feira, um terreno de saibro e vegetação rasteira, povoado de plátanos frondosos e robustos, informal, bonito, ponto de encontro do povo da aldeia e lugar para as brincadeiras das crianças e os jogos populares.
A obra foi concebida e talhada em granito por António Almeida, um virtuoso pedreiro de Coreixas, que morreu em França há muitos anos. O cruzeiro mistura elementos religiosos e nacionalistas, provavelmente inspirados no gosto do Estado Novo, mas é uma obra simples e elegante, de excelente granito, bem conservado.
As pessoas orgulhavam-se, respeitavam e cuidavam do cruzeiro. Durante mais de 20 anos, as procissões católicas contornavam-no. Nas vésperas, era ensaboado, esfregado e enfeitado, num trabalho de convívio comunitário, envolvendo adultos, jovens e crianças. Nos santos populares, principalmente no São João, amanhecia repleto de vasos. A escola primária não tinha eletricidade, mas o cruzeiro de Coreixas tinha a única lâmpada pública de toda a freguesia de Irivo, até 1974. Nas noites de Verão, era um ponto de encontros e de conversas.
Em 1975, na onda de voluntarismo que varreu o país, em que toda a gente queria fazer alguma coisa pelo progresso da sua terra, o largo da feira sofreu uma terraplanagem radical, com destruição dos velhos plátanos, perdendo o seu encanto para sempre. No entanto, o cruzeiro foi minimamente respeitado, ficando numa espécie de pedestal. Não ficou bonito, mas o espaço circundante da sua base foi respeitado, sendo visto e acedido a partir da rua. A procissão poderia continuar a contorná-lo, embora a Igreja tenha desistido de o fazer.
As obras recentes da autarquia provavelmente tentaram mitigar os erros do passado e dar uma imagem urbana à aldeia. Faltou o regresso dos plátanos ou o plantio de outras árvores de sombra, o que poderá corrigir-se facilmente. Sobrou um brutal muro que enclausura o cruzeiro, impedido que seja visto da rua. Provavelmente, passou a ser o único cruzeiro sequestrado do país, sem espaço livre envolvente.
As tradições populares da freguesia de Irivo, talvez iniciadas na sequência I Grande Guerra, dividiam-na em 4 zonas rivais: Alemanha, França, Inglaterra e Grécia. Coreixas era a “Alemanha”. Por ironia do destino, teremos o nosso “muro de Berlim”, 60 anos depois da construção do original e mais de 30 anos depois da sua queda? Esperamos que não. Os erros corrigem-se. Tragam-nos árvores e levem o muro.
Leia mais artigos na página de opinião do IMEDIATO.