Há 50 anos, o país preparava-se para viver um dos mais importantes momentos da sua história: a Revolução de Abril, que ficou também conhecida como a “Revolução dos Cravos”, pela forma pacífica como decorreu e pelos cravos vermelhos que a população distribuía aos soldados dissidentes, e que estes enfiavam nos canos de suas armas.
O momento foi vivido de forma entusiasta em Lisboa e no Porto, mas na região do Vale do Sousa, a revolução passou quase que despercebida, por uns por falta de informação sobre o que se passava na capital, por outros por medo ou desconfiança sobre o que o futuro reservava e sobre o sucesso da ação militar.
Nesse dia 25 de abril de 1974, o país pôs fim a um regime autoritário-ditatorial de inspiração fascista — o Estado Novo”, regime este liderado por António de Oliveira Salazar. O Movimento das Forças Armadas (MFA), composto na sua maior parte por capitães que tinham participado na Guerra Colonial e sob o comando operacional do Coronel de artilharia Otelo Saraiva de Carvalho, deu início a uma revolta que depôs o regime e deu início a um processo que viria a terminar com a implantação de um regime democrático e com a entrada em vigor da nova Constituição a 25 de abril de 1976, marcada por forte orientação socialista.
Este golpe de estado, em menos de 24 horas, derrubou a ditadura que dominava Portugal há mais quatro décadas, e mudou o rumo da história nacional decisivamente.
O Jornal IMEDIATO, dá-lhe a conhecer histórias de pessoas que viveram o 25 de abril na região, a sua opinião sobre as mudanças que se operaram nestes 50 anos e como olham para o desenvolvimento das regiões neste período.
Centenas de estudantes presta reconhecimento aos militares em Penafiel
A história sempre fez parte da vida de José Coelho Ferreira e o 25 de abril não é exceção e é um tema que lhe merece muito carinho por aquilo que trouxe ao povo português. O historiador penafidelense os dias da revolução em Penafiel e recorda a transmissão feita pela rádio Renascença da música “Grândola Vila Morena” de Zeca Afonso, que, aos primeiros minutos da madrugada dessa quarta-feira, confirmava que o movimento militar estava em marcha.
“Esse foi um dia em Penafiel, de uma atenta e preocupante atenção às notícias, da rádio e da televisão, que nos chegavam de Lisboa, onde se desenrolava o derrube do Governo”, referiu. Mas foi passado três dias que aconteceu a maior concentração de pessoas em Penafiel para celebrar a revolução. “No sábado depois do 25 de abril, um grupo de centenas de estudantes do secundário da cidade de Penafiel, concentraram-se no Largo da Ajuda, como demonstração de reconhecimento às Forças Armadas.
E daqui, saíram em cortejo em direção ao Quartel de Artilharia, onde foram recebidos com simpatia pelas forças militares. No quartel os estudantes cantaram o Hino Nacional”, recorda o historiador. “Daqui regressaram ao Largo e, na sede da Legião Portuguesa, rasgaram a bandeira desta organização, na varanda do edifício”, acrescenta.
Depois destes primeiros momentos, segundo José Coelho Ferreira, houve vários momentos de “consolidação” da liberdade, caso da celebração do 1.º de maio, dia do trabalhador, as reuniões do Magistério de Penafiel para discutir assuntos ligados à Educação, “assim como vários comícios, o primeiro dos quais um comício democrático, a 12 de maio, e que muito empolgou o povo que aderiu ao mesmo em grande número”. E a partir daqui, segundo José Coelho Ferreira, a cidade tornou- -se mais ativa, mais participativa, fazendo uso da liberdade que a revolução deu aos territórios.
Apelo à calma foi das primeiras ações da Comissão
Guy Falcão (foto) foi o presidente da primeira e única Comissão Administrativa, instalada depois do 25 de abril de 1974 em Penafiel. Assumiu a gestão da Câmara Municipal de Penafiel entre 25 de julho de 1974 e 30 de dezembro de 1976, altura em que decorreram as primeiras eleições, que elegeram como presidente Mário Rodrigo Castro e Sousa.
Guy Falcão tinha 38 anos na altura e era economista de profissão. Sem nenhuma ligação política a nenhum partido e sem ter tido participação ativa em nenhum momento da revolução – da qual só soube quando no dia 25 de abril chegou a Guimarães para uma reunião e se deparou com o povo em festa na praça –, acredita que o convite para liderar a estrutura surgiu por ter formação académica e por ser “uma das duas pessoas formadas pela universidade em Penafiel” e por ter algum tempo livre por ser um trabalhador independente. Recorda que quando assumiu a Comissão Administrativa, “havia decisões urgentes que era preciso tomar, muita correspondência para ver que se tinha amontoado nos últimos dias”.
Amigo pessoal de Justino do Fundo – que foi presidente da Câmara Municipal de Penafiel, eleito pelo Partido Socialista entre 1983 e 1994 – Guy Falcão convidou-o para ser seu vice-presidente na Comissão e recorda as principais medidas e decisões que tomaram durante os cerca de dois anos que estiveram em funções. “As primeiras decisões que tomamos foi apelar às pessoas para manter a calma, distribuir o correio que estava amontoado, tratar de uns assuntos urgentes pendentes e dizer ao pessoal que não havia novidades”, explica, acrescentando que na cidade de Penafiel “todo este período foi vivido com alguma tranquilidade, sem manifestações ou discussões políticas”.
Depois, o trabalho passou por “ir a lisboa correr os ministérios à procura de dinheiro”, que permitiu à Comissão eletrificar parte do concelho, abrir estradas as freguesias, criar as comissões de moradores, comprar uma quinta no centro da cidade onde está agora o tribunal, que custou mil contos. “E através do fundo de fomento de habitação, consegui fazer várias casas em Penafiel. Por isso ainda fizemos muito naqueles dois anos”, concluiu.