Esta altura do ano é aquela que se relaciona com as férias, mas é, para muitos, uma época de reencontro com a comunidade donde são originários. Reencontro que atinge o seu expoente nas festas que, em condições normais, se multiplicam um pouco por todo o lado, como é caso desta região do Vale do Sousa.
Os cuidados de modo a evitar a propagação da pandemia impedem, de maneira quase absoluta, a realização destas festas. As pessoas, por mais alternativas que encontrem, sentem a sua falta. A nostalgia impele a uma ansiedade incontrolada. Esta é aliviada, não poucas vezes, pela aderência a toda e qualquer forma de socialização. É o descanso do confinamento, o religar ao outro, uma espécie de recuperação de limites à liberdade mais amplos, nem que para isso se assumam riscos. Riscos, com certeza, agora, mais controlados.
Mas quero, sobretudo, deter-me na essência do significado destas festas para as pessoas. Uma essência que vai muito mais além do mero divertimento, do pretexto para exageros, da oportunidade de negócio, da conveniência política, do ensejo de embrulhar críticas, boas e más, com “papel bonito” para mostrar como possibilidade de oferta.
Há nestas festas o espírito religioso. Um espírito, que não deve ser confundido com questões de fé, que, vulgarmente, a estas festas surgem associadas. O caráter religioso advém do sentido etimológico da palavra religião, para uns, o de religar, para outros, o de revisitar. Seja qual for o sentido que deu origem à palavra religião, a verdade é que, ambos os sentidos, religar e revisitar, assentam na natureza destas festividades. O religar do indivíduo à comunidade é fundamental. A religião, no seu significado mais usual, só pode existir na comunhão do sentir que parece comum a um grupo. O sagrado pode ser particular, o mesmo não acontece com a religião. Portanto, o religar fornece referências que projetam o indivíduo no mundo e para o mundo. As tradições, os rituais, as sensações que estimulam o corpo e a mente através dos sentidos, confluem nessa experiência de consolidação da comunidade. Consolidação que se dá também com o outro sentido, o de revisitar. O retorno ao lugar de tantas memórias, de tanto histórico sensorial, incute em todo participante, enquanto desprovido de alguma categoria de bloqueio, uma vontade indómita de que esse retorno seja eterno.
Outra dimensão, que não deixando de ter correspondência com esta do religar, do revisitar, é a que se prende com o génio mimético do ser humano. A faculdade mimética que nos é inerente, traduz-se na produção de semelhanças. Produção de semelhanças, aqui, a partir de incentivos e estímulos naturais. Uma série de correspondências e analogias mágicas ancestrais próprias da construção do grupo onde o indivíduo se insere. Uma faculdade que, contudo, se baseia em emoções, portanto com uma grande influência sobre a linguagem. Influência, porque, como diz Walter Benjamin em Sobre a faculdade mimética, a “linguagem assume o grau mais elevado do comportamento mimético e o mais completo arquivo de semelhanças não sensíveis”. O mimetismo, apesar desta produção, não é imutável, vai sofrendo modificações históricas. No sujeito moderno tem tendência para desaparecer. As festas de algum modo, alimentam, ainda, essa magia mimética, produzem semelhanças no campo do sensível, fazem-nos mais humanos.
A humanidade que carateriza cada indivíduo da nossa espécie, jamais pode ser desprezada, pelo que qualquer ação que lembre a cada um de nós essa característica fundamental, deve ser, não só, acarinhada, como valorizada, enquanto contribui para uma melhor convivência entre todos — as festas da nossa terra estão no topo dessa saudade que todos sentimos de sermos apenas… Humanos!
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