Modelo Opiniao

Quando, no século XVI, Maquiavel escreveu O Príncipe, a filosofia da boa governança baseava-se na ideia de que um governante não se rege pelas tradicionais normas éticas. Um Príncipe deveria preocupar-se apenas com a conquista do poder e a sua manutenção, podendo ser obrigado a comportar-se de maneira indigna e maligna, se necessário, para conquistar ou manter a sua autoridade.

Após a Revolução Francesa, ao longo do século XIX e nos princípios do século XX, o pensamento político foi-se desenvolvendo através da filosofia, onde vários teóricos defenderam a importância da política baseada nos valores éticos naquilo que é a construção de uma sociedade social-democrata. Ao longo deste tempo, regimes sucumbiram, nacionalistas e totalitaristas foram derrotados, repúblicas foram implantadas ou monarquias foram restauradas baseadas nos valores éticos da arte de bem governar, onde os agentes políticos, os grandes ideólogos de uma sociedade europeia democrata e justa socialmente, eram os novos Príncipes. Também em Portugal, a nossa classe política abraçou esta nova forma de estar e fazer política, em particular no pós-revolução, mostrando a grandeza e a dignidade da entrega à causa pública, no debate ético e político de ideologias, tantas vezes, antagónicas.

Ao estarmos já em pleno século XXI, numa Europa democrata que tenta resistir às investidas populistas, demagógicas e nacionalistas cada vez mais emergentes, parece que toda a ética política, construída ao longo dos últimos séculos, está a ser colocada em causa. O recurso à mentira para debater, ao insulto para combater e ao ódio para ganhar, tomou conta do nosso panorama político internacional e nacional.  Ser-se político deixou de ser um cargo de prestígio social e a palavra foi-se transformando num arremesso insultuoso ao qual se associam adjetivos de oportunista, corrupto ou cobarde.  Nas caixas de comentários das redes sociais, nas mesas de cafés e bancos de jardins, destila-se ódio, insulta-se e transforma-se o político no leproso do século XXI. A desilusão para com a classe é grande e justifica a mudança social. Muitos daqueles que vão atualmente para a política já não o fazem com o fim último de servir o país e a sociedade, mas sim com objetivo de servir os próprios interesses. Quem é moderado, quem procura vencer pelo debate ideológico, na defesa das causas, assente nos seus valores éticos, afasta-se, é repelido pelo lodaçal político atual e dá espaço a que outros, maquiavélicos, ocupem lugares de liderança.

Até a política local, durante séculos denominada como assembleia dos homens bons, começa a ser corroída por esta praga ideológica. Os homens bons, e igualmente as mulheres, começam a escassear nos lugares de representação política local, abrindo portas àqueles que preferem debater e viver no submundo das caixas de comentários do Facebook ou do X (antigo Twitter), onde não existem regras nem qualquer princípio ético. Tornam-se sedentos de poder, vendem-se ao populismo, debatem com demagogia e vitimizam-se quando confrontados na sua incoerência. Assumem-se democratas, representam partidos fundadores e construtores da nossa sociedade, mas carregam em si o carácter do Príncipe do Maquiavel, onde todos os fins justificam os meios para chegar ao poder.

O que Maquiavel parecia querer ignorar é que, no final, o povo é o principal ator político. E a história mostra que, perante um principe maquiavélico, a escolha recai sobre o Príncipe que não se vende e resiste seguro dos seus valores éticos.

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