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Seis meses após o início do conflito na Ucrânia, o exército russo, incapaz de tomar Kiev, foi e é retratado como uma ameaça para toda a Europa. O Presidente Zelensky declarou que a Ucrânia se tornou “um trampolim para um ataque a outras nações da Europa”, enquanto o secretário da Defesa dos EUA, Lloyd Austin, afirmou que a Rússia é “um desafio para libertar as pessoas em todo o mundo”. Este discurso, feito na base aérea americana de Rammstein, na Alemanha, evocou a Guerra Fria.

A guerra na Ucrânia é amplamente vista como uma luta contra o expansionismo russo e, por extensão, uma guerra pela Europa. A visão de cossacos nas fontes de São Pedro em Roma, um imaginário da Guerra Fria, ressurgiu. Agora, cossacos motorizados e uma coligação do mundo livre são considerados necessários para impedir que submarinos russos atraquem em Gdansk ou tanques desçam a Autobahn. Ampliar a NATO, incluindo Suécia e Finlândia, passou a ser essencial, além de propor uma frente de batalha direta contra a Rússia.

Entretanto, o realismo parece ausente e estamos à beira de uma guerra global. Desde 1945, arsenais nucleares estabeleceram limites claros para conflitos globais e para mudanças na ordem mundial. As potências nucleares concordam tacitamente que essa ordem não pode ser radicalmente alterada. Devemos evitar testar esses limites.

Apesar de anúncios de uma “nova realidade”, nem o fim da Guerra Fria nem a globalização mudaram esta situação. O mundo, interligado por mercados globais e sistemas produtivos, é menos flexível do que se imagina. A Rússia, com suas reservas de matérias-primas e setores desenvolvidos em tecnologias militares e espaciais, continuará integrada no sistema global, apesar das sanções ocidentais. Confundir uma guerra entre potências nucleares com um conflito contra um “Estado terrorista” é perigoso.

A propaganda de guerra exacerba a situação, transformando nobres objetivos como democracia e resistência antifascista em ferramentas de manipulação. A narrativa atual da resistência ucraniana à invasão russa assimilou o realismo à propaganda do Kremlin. Avaliar soberbamente os objetivos dos países que apoiam a Ucrânia é crucial. Expulsar os russos e retomar territórios orientais parece improvável. Combater crimes de guerra com mais guerra é ilógico. Humilhar a Rússia pode agravar o conflito, aumentando o risco de armas não convencionais. Conversas sobre “vitória” são infundadas.

Existe o risco de a guerra na Ucrânia fraturar a Europa, ameaçando o seu futuro como projeto político. Os europeus, incluindo os ucranianos que se juntarão à União, devem garantir que este projeto não seja uma vítima colateral. Um retorno ao realismo é necessário.

Deve ser reconhecido pela Europa, que os seus interesses divergem dos de Washington. A unidade europeia, conquistada fora das estratégias americanas, é vital e não deve ser sacrificada para enfraquecer a Rússia. Os EUA podem prolongar o conflito, enquanto a Europa arca com as consequências: refugiados, sanções devastadoras e busca por novas fontes de energia. Aumentar os orçamentos de defesa afeta os sistemas de segurança social europeus, já enfraquecidos, fundamentais para a estabilidade política da União. Num conflito agravado, a Europa seria o principal teatro.

Para Washington, a guerra na Ucrânia é uma oportunidade reforçar sua hegemonia em declínio, transferindo custos para a Europa e mobilizando-a contra a China. A ampliação da NATO, impulsionada por neoconservadores, visa ajustar o equilíbrio de poder na União, promovendo uma coligação liderada pela Polónia e potências de língua inglesa. A proposta britânica de uma “Commonwealth Europeia” sugere uma União-sombra alinhada com agendas transatlânticas.

Salvar a Ucrânia e a Europa é possível. A Europa, construída para organizar a paz, deve manter esse princípio. O apoio à Ucrânia não deve impedir a integração política europeia. Deve ser acompanhado de condicionalidades diplomáticas e calibrado para permitir negociações futuras. Mais cedo ou mais tarde, uma solução negociada, provavelmente semelhante aos acordos de Minsk, será necessária. A Europa deve manter distância da estratégia americana e desenvolver autonomia estratégica global. A guerra na Ucrânia torna essa tarefa urgente e inadiável.

*baseado no artigo publicado na revista NLR de António Negri e Nicolas Guilhot

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