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Entrevista: A angústia e a esperança de quem foi resgatar ucranianos

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Fotografia: Direitos Reservados

O drama vivido pelo povo ucraniano, que se viu confrontado com uma guerra indesejada, despoletada pela Rússia, não tem passado indiferente ao Mundo e são muitas as ações de solidariedade para com este povo que se está a ver obrigado a abandonar o seu país. Um pouco por todo o país, foram feitas recolhas de bens, angariações de fundos e jornadas até à Ucrânia para resgatar do terror da guerra aqueles que de lá querem sair.

Também a região se tem mostrado solidária com o povo ucraniano e, entre as várias ações que foram realizadas em prol destes, uma delas permitiu trazer 21 ucranianos para mais perto das suas famílias, que habitam em território português e que foi realizada por um grupo de seis pessoas, entre as quais Raul Ribeiro, presidente da Associação de Pais do Agrupamento de Escolas Joaquim de Araújo, em Penafiel.

Ao Jornal IMEDIATO, em nome da equipa que o acompanhou na jornada, contou a experiência, que além de dolorosa, foi muito gratificante. Partiram “pouco conscientes” do que tinham pela frente, mas motivados e regressaram com o desejo de voltar.

Como surgiu a ideia de ir até à Polónia buscar refugiados ucranianos?

Na verdade, o nosso foco inicial estava na recolha de bens alimentares e apoiar a turma o 12.ºA. No entanto, as notícias que nos chegavam de crianças e mulheres a fugirem da guerra, sem qualquer esperança, a dormirem em estações de comboios, com frio e fome, com as vidas suspensas, sem terem qualquer responsabilidade pelo que lhes estava a acontecer, levou-nos a questionar-nos “e se fosse com os nossos”? Nesse mesmo instante, a ideia de ir à fronteira com a Ucrânia, era uma possibilidade, mas como?

Inesperadamente fui contactado por uma senhora ucraniana, residente em Paredes, que desesperadamente nos perguntou se iríamos buscar deslocados da Ucrânia, que teria três familiares que queriam vir para Paredes. Foi aqui que a decisão de irmos à Ucrânia ficou vinculativa.

Quantas pessoas integraram o grupo?

Fomos seis pessoas na missão (Raul Ribeiro, Miguel Nunes, Jorge Mendes, Hélder Ferreira, Pedro Silva e João Paulo) e a minha preocupação é que teriam que ser pessoas experientes e capazes de fazerem 6000 km. Então, juntei um grupo de seis pessoas conhecidas e, mais tarde, tivemos o apoio da Associação de Antigos Alunos da Escola Secundária de Paredes.

Como quem foi articulado este processo e a sua concretização?

Depois da tomada de decisão, levantou-se a questão de como e com quem poderíamos articular a viagem.
Primeiro para assegurar o transporte, contactamos o Grupo JAP e lancei o desafio se poderiam disponibilizar três viaturas de nove lugares para ir à Ucrânia. Disseram-me logo que sim. Depois, faltava como financiar a viagem. Inicialmente e como somos do concelho de Penafiel, contactamos a Autarquia, no entanto, a resposta demorou, e as pessoas em causa não podiam esperar. Então, contatei a autarquia de Paredes, que prontamente acedeu, e suportou os encargos da deslocação.

Uma das condições que ambas as partes concordaram, é que as pessoas a trazer tivessem famílias de retaguarda em Paredes ou nos concelhos vizinhos e que não traríamos crianças sem familiares a acompanhar.

Encetamos contactos com o Consulado da Ucrânia, que nos encaminhou para a Associação de Ucranianos do Porto e que nos fez chegar uma lista de pessoas a recolher, já referenciadas pela organização. Dessa lista, onde constavam os dados pessoais, a Autarquia de Paredes, faria a ligação com o Alto Comissariado para a Emigração e o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras.

Como correu a viagem?

A viagem de ida correu bem, estávamos curiosos e ansiosos por lá chegar, mas tínhamos consciência que a vinda seria mais emotiva. Tínhamos a responsabilidade de trazer 21 pessoas, crianças, adolescentes, mães e avós, que estavam a fugir de uma guerra, despejados de bens, que não falavam a nossa língua e com a dúvida do que iriam encontrar em Portugal.

Em apenas dois dias, passamos por quatro países, Espanha, França. Alemanha e Polónia. O regresso foi quase non-stop. Além das paragens obrigatórias para as crianças, notava-se no rosto deles um cansaço de quem esteve dias em plataformas de comboios, à espera de uma oportunidade de sair. Quando chegamos, a entrada nos carros foi rápida, de quem não queria ficar mais tempo ali.

Que cenário encontraram quando chegaram ao destino?

Uma desorganização organizada. Dava a impressão de que quem chegava de comboio da Ucrânia, sabia o que tinha de fazer; vimos muitos locais com roupa, onde as pessoas recolhiam e metiam dentro de um saco de compras, o que lhe fazia falta.

Centenas de autocarros e carros no exterior à espera de os levar para qualquer lugar, longe dali. Mas o mais marcante foi quando tentamos chegar à gare 8, local onde estavam os nossos novos amigos e ao tentarmos lá chegar, fomos literalmente empurrados para fora.

As escadas de acesso estavam cheias de pessoas, umas sentadas, outras a tentar sair, as plataformas da estação cheias de pessoas a tentar descansar, principalmente mulheres e crianças.

O que foi mais difícil gerir nesta jornada?

A imagem das pessoas retidas na estação à espera de alguém ou do fim da guerra, a barreira linguística e o sentimento de não podermos ajudar mais.

Com que sentimento chegaram a Paredes, já com o objetivo cumprido?

Um duplo sentimento, de angústia por aquelas que não conseguimos trazer e ao mesmo tempo, com o de dever cumprido.
Mas também de emoção ao vermos o sorriso de alegria, quando viram na chegada as suas famílias.

Com que estado de espírito os vossos passageiros fizeram a viagem?

Inicialmente deu para perceber que estavam aliviados e com desconfiança, que era natural, mas com o decorrer da viagem lá conseguimos tirar alguns sorrisos e trocar diálogos com as apps tradutoras. Mas sentimos sempre um sentimento de agradecimento, prova disso, ainda hoje nos comunicamos.

Esta foi uma decisão de particulares. Entende que está faltar atitude por parte de quem tem responsabilidades?

Sinceramente, parece-me que a Europa, não é ainda uma verdadeira Europa, com valores de solidariedade e união. As iniciativas particulares estão a dar um verdadeiro exemplo de solidariedade para com o próximo, associando os poderes locais, que estão a fazer um trabalho meritório.

Gostaria de deixar uma palavra de profundo agradecimento à Camara Municipal de Paredes, ao Grupo JAP, à Associação de Antigos Alunos da Escola Secundária de Paredes, à Gitatoo, à Farmácia Confiança, aos Pais e Encarregados do Agrupamento de Escolas Joaquim de Araújo, pelo apoio que nos deram.

Aos voluntários que conduziram, sem eles não seria possível.

Bem-haja a todos!

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