Cultura / Artista

Há quase um ano que a cultura se encontra “confinada” em Portugal, embora com um ligeiro respirar à tona de água nos meses de verão e outono, para alívio do sector e satisfação do público. Mas se esta realidade em Portugal tem um ano, em Paços de Ferreira, este “confinamento” da cultura dura há quanto tempo?

Portugal é dos países da europa que menos investe e valoriza o sector da cultura. Prova disso é que o objetivo de 1% do Orçamento de Estado para a cultura continua por se concretizar e espetáculos, exposições e outras manifestações culturais apenas estão acessíveis a alguns portugueses. Se a realidade nacional nos devia inquietar, quando olhamos para a realidade local, os horizontes são ainda mais preocupantes.

Paços de Ferreira nunca teve uma verdadeira política cultural. Nem nunca olhou para o sector como um motor económico, social e identitário. Durante os sucessivos governos camarários, o Pelouro da Cultura foi distribuindo as míseras migalhas do orçamento municipal pelas associações do concelho, tentando transmitir, através do apoio aos seus eventos e iniciativas, uma imagem de preocupação pelo associativismo e de valorização do trabalho local. Não nego que o princípio fosse honesto e generoso. No entanto, o que aconteceu foi uma gradual desresponsabilização da Câmara Municipal pela vida cultural do município. A prova disso é o desconhecimento de um plano municipal para a cultura, integrador e ambicioso, onde estejam definidas as áreas nas quais o município queira investir, promover e construir uma marca identitária.

Com o aproximar de mais umas eleições autárquicas, começam as movimentações no xadrez político local. Todos os dias, para quem anda pelas redes sociais, é confrontado com anúncios de novos investimentos, promessas e acusações partidárias, na sua maioria despropositadas e pouco esclarecedoras, entre os principais agentes políticos do concelho. Nas últimas semanas, a saga é o desporto, em especial o futebol. Bem sabemos que, de 4 em 4 anos, o ciclo se repete entre anúncios de obras num determinado complexo desportivo, promessas às associações desportivas e as típicas fotografias junto dos seus dirigentes. A paixão ao clube é um terreno fecundo para os políticos atraírem para si a atenção e angariarem mais votos.

Como a política local, mas também a nacional, ainda não se desligou dos chamados 3 F’s  (Futebol, Fado e Fátima), caso a pandemia o permitisse, em breve teríamos as típicas excursões ao dito último “F”, acompanhadas, claro está, pelos devotos políticos. Também aqui, nada de novo.

No entanto, é no segundo “F” que reside o problema. Se a expressão tradicional é “silêncio que se vai cantar o fado”, em Paços de Ferreira apenas se fica pelo silêncio, porque fado, seja ele qual for, não se canta nem se ouve!

As eleições sucedem-se, a troca de galhardetes nas redes sociais é muita, mas para a cultura ficam apenas umas escassas, mas simpáticas, palavras durante as campanhas eleitorais, umas frases curtas escritas nos programas de cada partido para justificar a existência de um Pelouro da Cultura e a promessa de mais apoios às associações locais. E é isto que vai ditar mais 4 anos de estagnação no nosso concelho. Não existe um debate sério, alargado, integrador, futurista, audaz, capaz de agregar os cidadãos em busca de uma identidade cultural para Paços de Ferreira.

Para a política local, cultura resume-se a organizar uns eventos, volta e meia, seja um dia dedicado às mães, uma feirinha na altura do Natal, uns concertos em determinadas efemérides, uma pequena Feira do Livro ou outra qualquer iniciativa que atraia gente pelos “comes e bebes”. É o chamado “fast-food”: uma vez por outra, barato e que deixa a pessoa satisfeita por uns tempos.

Houve, há uns anos, exceções a este pensamento, com algumas iniciativas que levaram a crer numa mudança no caminho. Recordo a iniciativa “Setembro Jovem”, promovida anualmente pela Câmara Municipal, em colaboração com outras associações locais, com exposições, concertos e atividades desportivas, envolvendo a juventude. O festival “Citânia Summer Fest”, com um promissor nome, embora tivesse acabado num parque de estacionamento de um centro comercial, mas que trazia um conjunto variado de artistas nacionais ao concelho. A criação de infraestruturas culturais e espaços multiusos para manifestações artísticas. Ou, mais recentemente, o Festival Municipal de Teatro, realizado em 2019, onde os vários grupos amadores de teatro do concelho puderam mostrar o seu trabalho e receber companhias de teatro profissional e projetos sociais. Só que tudo isto começou e rapidamente se esfumou.

A justificação é que Paços de Ferreira não tem hábitos culturais e, por isso, são as pequenas iniciativas que podem despertar o interesse. Claro que, como em tudo, existem exceções, como é o caso de Freamunde, onde o associativismo e a cultura está na genética da cidade, historicamente ligada ao teatro e à música. Mas a cultura de um concelho não se pode resumir a uma freguesia. Por isso, esta justificação só vem tornar evidente o pensamento conformado com a realidade e o desinvestimento na cultura dos sucessivos executivos camarários. Recorrendo à escritora e filósofa Simone Beauvoir: “é preciso erguer o povo à cultura e não rebaixar a cultura ao nível do povo”.

Paços de Ferreira é dos concelhos mais jovens do país. Muitos destes jovens têm, cada vez mais, uma formação superior e, por isso, estão despertos para o pensamento crítico e sedentos de novas experiências artísticas. Procuram também uma identidade que os mantenha ligados à sua terra natal, que não se pode resumir à marca puramente económica de “Capital do Móvel”.

Por isso, este é o tempo da classe política deixar os chavões básicos que todos os anos se repetem em cada campanha eleitoral e introduzir no seu debate, de forma séria e informada, o sector. Deixar de olhar para a cultura como um privilégio, mas sim como um direito fundamental. Dizer quais são os seus objetivos e programa municipal para o sector. Definir um conjunto de iniciativas anuais que sejam a identidade do concelho, passíveis de serem promovidas a nível nacional, aproveitando o património local, seja ele humano ou edificado, porque é isso que nos torna diferentes de outras regiões do país. Reunir associações, artistas, vozes ativas e inovadoras, em busca de uma imagem do concelho, a longo prazo, na área. É tempo de exigir mais do orçamento municipal e ter uma maior responsabilidade do Pelouro da Cultura na vida cultural do concelho.

Paços de Ferreira precisa de “desconfinar” a cultura… Até porque, na verdade, a cultura também dá votos!

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