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Numa das minhas leituras, terei lido uma preciosa frase proferida por uma filosófica personagem, mas como a minha memória é de peixinho, não me lembro nem do título do livro, nem do autor. Mais vos digo, se voltasse a ler o mesmo romance, garantidamente seria quase como novo, como acontece nos filmes que revejo e nos livros que releio. Sei que essa personagem era um cocheiro, que enquanto viajava com o seu senhor, ter-lhe-á dito que se todos andassem de coche o prazer de andar nele seria reduzido.

O fascínio pela obtenção de coisas, a ânsia de vivermos experiências singulares, a constante tentativa de consumarmos realizações que não são fáceis de alcançar pela generalidade das pessoas, provavelmente se esboroaria se esses feitos fossem acessíveis equitativamente a todos. Sabemos que essas concretizações são tão mais prazerosas, quanto mais improváveis são de ser conseguidas pelos outros. Basta perceber, que no nosso mundo ocidental, o gesto de abrir uma torneira e dela jorrar água potável ou o ato de carregar num interruptor que magicamente ilumina um espaço, são ações completamente subestimadas, porque estas possibilidades, felizmente, estão bastante democratizadas. Dispor destes préstimos, melhor, ostentar este coche não fará de nós especiais ou a exceção.

Menos que a excecionalidade não nos é suficiente, essa absurda busca pelo destaque ocupa-nos até na indisfarçável necessidade de contarmos aos outros as nossas façanhas. Se calhar os nossos méritos estão muito mais nas pequenas coisas, na forma como nos igualamos aos outros e muito menos naquelas ações em que nos queremos destacar.  Às vezes estamos em sítios extraordinários, em casas fantásticas, servidos pelos maiores luxos e o nosso ânimo não corresponde a este fascinante lugar, provavelmente, porque a nossa verdadeira vontade seria estar num sítio bem mais simples, junto das pessoas certas.

É comum dar-se o caso de recebermos na nossa cidade, alguém que vive longe, com vivências diferentes e sermos confrontados por essa pessoa com a sinalização alguma beleza que nos escapa e que está ali todos os dias, ao nosso lado, sem nos darmos conta. O acesso facilitado ao que temos à mão inevitavelmente reduz o seu valor.

Não pretendo fazer a apologia de que não precisamos beber mundo ou de ambicionar a mais e melhores confortos e que nos devemos contentar, mas o desafio é precisamente o de nos deixarmos fascinar também pelo pouco, pelo perto, pelo simples, pelo fácil, mesmo sem nunca nos resignarmos à máxima de que quem se contenta com a sorte é feliz até à morte.

Óbvio, que se nos sentirmos embarcados numa entediante monotonia, numa cadência de insatisfação e considerarmo-nos merecedores de superiores serventias, devemos procurar essa satisfatória injeção de novidade nas nossas vidas. Focarmo-nos na obtenção de algo que nos dê alento, pois se existem pessoas que dispõem de coches luxuosos e do serviço dos seus cocheiros atentos, porque é que eu tenho de me contentar em andar apenas de cavalo. Permitir que possa medrar esta legitima ambição, mas, ao mesmo tempo, não deixar que essa ganância tenha a desfaçatez de desvalorizar aquilo que já possuímos, destacando com desmesurada intensidade a novidade que almejamos, acabando por nos fazer supor não iremos conseguir viver sem alcançar esse cálice sagrado.

 

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