Se rir é o melhor remédio, os humoristas, não podendo ser considerados médicos, porque com a ciência não se brinca, são inequivocamente uns belos trapaceiros, charlatães e embusteiros, tal como certos curandeiros. Não por nos prometerem a cura implícita na frase rir é o melhor remédio, mas porque nos enganam, porque passam a vida a levar-nos por caminhos aparentemente lineares, que se revelam o contrário e que são deliciosamente inesperados.
Com repugnância diríamos que não gostamos de ser enganados, mas eu, confesso, que me deslumbro com os velhacos enganadores, que têm ginga de mentirosos e exagerados. As personagens mais enfáticas e exuberantes têm o condão de nos proporcionarem boas histórias, mesmo que estas nos pareçam falsas ou hiperbolizadas. O exagero e o engano têm a habilidade de entreter, ao contrário do factual, que normalmente entristece ou no mínimo enfada.
Gosto de pessoas que não têm medo do ridículo, que não se levam a sério. Com estas pessoas podemos estar à vontade, sem muralhas. Com elas podes desabafar e assinalar as tuas insuficiências, porque elas vão-se rir contigo, com empatia, disponíveis para partilhar de seguida um rol das suas próprias falhas e exagerá-las, o que para além de proporcionar uma boa dose de risos, ainda consegue a magnifica proeza de aproximar as dores de uns e de outros, relevando-as para um sítio onde estas não doem.
A tirada humorística quando usada em momentos mais sérios é sublime, porque desmonta a pose, desarma a etiqueta e essa transgressão é inegavelmente deliciosa, ainda que nesses momentos, apenas possamos rir por dentro. Assim como considero que quando somos convocados para momentos de maior descontração, em que o humor vai ser o prato principal, possa o pensamento humorístico através do seu exagero, levar-nos a ver as coisas ao contrário e fazer-nos refletir em assuntos sérios, para as quais ainda não tivemos coragem tirar conclusões, porque ainda só tínhamos pensado neles de forma austera.
Num outro nível, o humor também funciona como um poderoso regulador de egos, de poses e de manias. Tem a capacidade de policiar os comportamentos, de os sinalizar como impróprios ou inadequados, levando a que os visados dessa troça se autorregulem (ou não), porque alguém lhes fez notar o absurdo e o ridículo.
Vestir uma roupagem humorística pode também remeter-nos para uma teatralidade reconfortante, que é a de nos podermos travestir de idiotas e dizer umas quantas alarvidades ao abrigo deste escudo protetor que uma piada pode dispor, testando e provocando pequenas audiências, com as quais decidimos partilhar momentos de impagável parvoíce.
O humor deveria ser obrigatório por decreto, enquanto que a rabugice devia ser punida com uma contraordenação grave, que retirasse pontos sociais, que somados, impedissem as pessoas de participarem em eventos populares.
Acrescentar a tudo isto, e acreditando na máxima de que se somarmos o tempo de distanciamento necessário, à mais desastrosa das tragédias, estaremos perante a receita perfeita para que o humor tome lugar, ajudando seguramente a curar as feridas que tardam em cicatrizar. Por isso, quanto aquelas velhas questões, se existem limites para o humor, eu considero que não, apenas cada um, deverá por si, limitar o humor para o qual está preparado.
Tal como disse muito recentemente o Papa Francisco, sim, podemos até brincar com Deus!