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O séc. XVI, na Europa, vive um grande desenvolvimento, também favorecido pelos Descobrimentos portugueses e redescobre-se a fé nas capacidades do homem e da razão. Aumenta o interesse pela cultura greco-latina, assimilam-se os clássicos: o culto da razão; a defesa da liberdade individual; a função social dos poetas…

Lisboa é o cais do mundo e vive-se na febre do Oriente. Sente-se a urgência de cantar as façanhas dos heróis e, entre nós, o esforço das descobertas será exaltado pelo homem, que sentiu e cantou todos os feitos portugueses, Camões. É assim que surge a epopeia, Os Lusíadas, uma verdadeira obra do Renascimento, que espelha a pluralidade cultural e o espírito crítico do poeta. Esse terá sido o século excepcional em que viveu, talvez o século português por excelência.

E então, por tudo isso, é fácil atribuir a Camões uma bagagem cultural rara, para além da certeza de ter procurado fontes que lhe foram, naturalmente, indispensáveis: A Eneida de Vergílio para a estrutura, os cronistas portugueses, os líricos latinos Ovídeo e Horácio e roteiros, e cosmografias… Um talento raro, sobretudo.

A epopeia de Camões adquire uma projecção universal, é um poema do Cristianismo mesmo que tenham sido os deuses do Olimpo que favoreceram, perseguiram ou premiaram os portugueses… É uma apologia dos fortes e dos bravos, dos que matam e morrem e, paralelamente, uma veia de ternura e de rendição ao eterno feminino. Vinda do poeta Camões, naturalmente!

Nos prováveis 500 anos do nascimento de Camões, pouco se sabe da vida do poeta. É certo que escreveu Os Lusíadas e alguns dos seus assombrosos poemas da lírica portuguesa. Isso poderia bastar… Há-de ter bebido, como se disse, a espantosa cultura clássica que a sua obra testemunha, mas a reputação de arruaceiro e mulherengo também o perseguem há séculos. Foi um homem colérico, metido em sarilhos mas que obriga a dizer dele o seguinte: “O seu livro acaba por ser uma reflexão sobre a épica do séc. XVI.” ou”Camões é claramente um homem do Império e que acha que este glorifica os portugueses”.

Hoje, Camões é o herói que sobrevive a tudo! Afinal, foi amado pelos Filipes, pela República, pelo Estado Novo e continua a ser pela Democracia. Hoje, já sabemos que vai dar nome ao novo aeroporto e nenhuma polémica se levantou…

Sabemos também que o ensino de Camões nas Escolas Secundárias continua refém de uma versão “antiquada e/ou enviesada” e tenho orgulho de ter ensinado Camões e os Lusíadas de modo a atrair os jovens adolescentes. Sempre fiz um esforço para que a imaginação estivesse presente, implicando outras visões do mundo. Aquilo que então se impunha nas Escolas era uma visão benigna da História, com subjugação, escravidão, culto do heroísmo para desbravar oceanos… Havia como sugestão, uma narrativa idílica dos descobrimentos, que se completava com os relatos da chegada dos barcos portugueses carregados de escravos aos portos da Europa… Havia, teria de haver, a exploração dos homens/escravos e nós fomos, afinal, mediadores de uma certa miséria humana…  Afinal, parece, com sangue, menos com ternura, acarinhámos a memória das bravas conquistas dos portugueses. E fomos também aconselhados a reflectir. Sobre o orgulho, sobre o racismo e por isso tentei também ensinar melhor a História.. E nunca cumpri a censura ao Canto IX, por exemplo. Impossível!

Passados 500 anos sobre a data em que, supostamente, terá nascido Camões, de entre todos os heróis, deuses e mitos que formam a imensa galeria de personagens de Camões, nenhuma é, afinal, maior que o próprio poeta.

O génio de Camões criou personagens que não se explicam apenas pela História, nem pela tradição clássica. E tornaram-se símbolos! Assim, depois de Os Lusíadas, Inês de Castro existe como a “linda Inês” que o poeta imortalizou e que havia de tornar-se símbolo do amor português… Do mesmo modo, o “Velho de aspecto venerando” que amaldiçoou as naus do Império, que aconselhou a prudência face aos perigos do desconhecido, simboliza a voz do bom-senso, que pressagia o perigo e a desgraça… E, o Adamastor, que simboliza todos os pavores do mar e do desconhecido, há-de ficar para sempre a carpir um amor impossível…

E depois, sempre, o mar que nos ensinou o gosto da aventura, o gosto das lágrimas, o amor do longe e que há-de ser sempre escolhido pelos poetas…

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