Aproveito o título do último capítulo de “Memórias Minhas” de Manuel Alegre como proposta do tema que quero desenvolver. Esse texto, longo, não é uma Biografia tal como o autor pretende defender mas, para além de tudo o que aí está e que é habitual no estilo do autor, é também uma reflexão sobre a vida. A dele e a dos outros, a de todos nós. Hoje.
A vida partidária, explica, deixou de lhe interessar. Isso é coisa natural, acredito, já que o meu entusiasmo também desapareceu, já que tudo se passa e quase tudo tende a esquecer. O tempo contribui para esse esquecimento e, também por isso ou, talvez por isso, cada vez mais se fala com o outro sem ver quem é, e o telemóvel das pessoas, que falam a olhar para o ecrã, impede-as também de olhar um bom filme no cinema, impede-as de ver páginas sugestivas e úteis de um livro e por isso, cada vez mais, sabem pouco e/ou contentam-se com o que ouvem dizer…
Cinquenta anos depois do 25 de Abril não se disse tudo sobre o que era antes, um tempo muito difícil para quem o viveu, cheio de proibições, um tempo quase caricato e muito estranho mas que continua a ser indispensável que os mais novos conheçam. Para isso, também porque a data implicava o fervor da Festa, por todo o lado houve cravos, música, palestras, palavras que se foram pronunciando mais ou menos ao gosto de cada um… Foi assim, falou-se assim porque falar da força e valor da liberdade a quem sempre a teve também não é fácil… Para esses, hoje, a liberdade é como o ar que se respira, o pior é falar para os outros, os jovens adolescentes que, salvo raras excepções, só estão presentes, só estão lá por obrigação…
Bem sei que as Escolas estiveram, algumas ainda podem estar, cheias de desenhos, de cartazes, de textos sobre o 25 de Abril. Tentei descobrir o esforço dos professores para dar sentido a uma data em que os alunos ainda nem eram nascidos mas, como resistir à sensação, quase certeza de que tantos, tantos desses alunos entenderam só que o passado está longe e esse outro lado da vida já os não pode afectar… Por isso, parece-me, o 24 de Abril também! Não é preciso dizer muito mais, nem detalhes, nem torturas, nem algemas, nem prisões… Para quê despertar um maior respeito pela coragem, pelo sacrifício, pela maior atenção à Liberdade?
Não posso generalizar mas continuo a pensar que se fala pouco, se diz quase nada sobre o que era, o que foi para chegar ao que hoje é… Não posso resistir a constatar que no passar dos anos, a tarefa da informação sobre o que foi e o que é se vai atenuando, os motivos da Festa vão-se alterando e tanto, tanto fica por dizer. Muitas das proibições do tempo anterior à liberdade conquistada começam a não ser lembradas e a banalização dos motivos escolhidos na festa comemorativa perdem muito do sentido que deveriam ter. Então, como resistir? A ditadura continua a matar, o socialismo parece que nem chegou a começar… A injustiça continua, os fantasmas continuam na frente, a energia maior parece estar do lado da extrema-direita…
Hoje, tudo passa depressa e quase tudo se esquece. Hoje, as pessoas não ouvem ou não sabem ouvir, não lêem, já não ligam quase nada ou preferem saber pouco sobre poesia. Sobretudo os políticos. Esses, outro mundo, outra linguagem… Então, como resistir?