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Sempre que partilho com um certo amigo, algo sem grande importância, em que eu incuto um entusiasmo desadequado à pequenez do assunto, esse amigo diz-me sempre, “És um espantado”!

Dou por mim a pensar, que o espanto é um aliado indispensável para que tenhamos uma vida alegre e satisfeita, um suporte precioso para um percurso feliz. O entusiasmo com as pequenas coisas é certamente um fabuloso alimento da alma. Se a nossa excitação apenas advém de momentos grandiosos e apoteóticos, corremos o risco de passar pela vida em constante desilusão e insuficiência.

Sempre que alguém reage a algum evento, porventura inesperado, com um “eu já sabia que isto ia acontecer”, fico com a triste sensação de que essa pessoa, que tenta transmitir com essa frase uma ideia de grande sapiciencia e de capacidade de adivinhação, é na verdade um infeliz, a quem não foi dada a sublime capacidade do espanto. A previsibilidade das coisas concretas, das ações demasiado programadas é enfadonha, não tenho dúvidas.

Por isso damo-nos conta que as crianças são mais felizes que os adultos, por são capazes de se espantar a cada momento. Espantam-se com excitação semelhante com o ruido ou com o silencio, com o brilho ou com o sujo, com o colorido ou com os tons sépia, com o grande ou com o pequeno, com o muito ou com o pouco, com a beleza ou com a fealdade. Nunca mais nos iremos rir como riamos em crianças. Aquele assombro desmesurado relativo a uma insignificância corriqueira, não tem preço.

E se juntarmos à capacidade de nos espantarmos, a condição de nos esquecermos, temos um cocktail perfeito para a cada dia experimentarmos momentos de estranha alegria. Em primeiro, porque poderemos deleitar-nos com pequenas descobertas, que se a nossa memória cumprisse na perfeição o seu papel, essas revelações já não o eram; em segundo, porque guardar ressentimentos não é bom e entristece, daí que o defeito intrínseco do esquecimento é a maneira mais fácil de continuarmos as nossas vidas sem mágoas, até porque o superpoder do perdão, não está ao alcance de todos!

Depois, outra coisa que os espantados têm de extraordinário é a aptidão de se assombrarem com o inútil e com o supérfluo. Esta virtude de conseguirem descentrar daquilo que é vital e contemplarem o acessório, permite-lhes encontrar encanto numa flor a quem uma pétala abandonou, numa nuvem cujo os contornos ativam a sua imaginação, no movimento repetitivo de um fio de água que os pacifica.

Podemos encontrar a dimensão deste pasmo assoberbado, no sobejamente conhecido trecho de um poema do livro “O guardador de Rebanhos” de Fernando Pessoa (Alberto Caieiro) que diz, “Porque eu sou do tamanho do que vejo, e não do tamanho da minha altura…”. Esta capacidade poética de contemplar o que nos rodeia através desta lente que amplia, deforma e expande, seguramente rotunda em felicidade, com uma única consequência… a de sermos apelidados de espantados!

Diria até, “Porque eu sou do tamanho do meu espanto…”

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