- E, de repente – ainda que há muito pré-anunciada – somos confrontados com uma crise política no nosso país, à qual se associa uma crise de instituições. Não valerá de muito falar de tudo o que aconteceu, porque as longas horas de direto televisivo e comentário político têm explorado, ao mais ínfimo e íntimo pormenor, o processo Influencer. Mas talvez faça sentido refletir no futuro que o presente nos reserva.
- A política nacional vê-se a braços com mais um alegado caso de corrupção, desta vez envolvendo a figura do primeiro-ministro (enquanto exerce o cargo), seja de forma direta (o que ainda carece de esclarecimento), seja de forma indireta (aparentemente mais sustentada, de acordo com os desenvolvimentos apresentados até à data de escrita deste artigo). Venha a provar-se ou não os crimes imputados aos diferentes atores políticos envolvidos certo é que o Governo, e consequentemente, o PS, sai com uma imagem desgastada, imerso em suspeitas e desconfianças, sujeito ao julgamento popular, tantas vezes permeável e radical. Certo é que se veio a comprovar que as escolhas de António Costa, com a construção de uma corte baseada em relações de amizade, se mostraram erradas e prejudiciais para o exercício de poder. Algo que, um político experiente e inteligente como António Costa, deveria ter percebido e aprendido quando, ao estudar história universal, viu esta receita falhar em antigos impérios e regimes.
- A demissão do primeiro-ministro, e a consequente dissolução da Assembleia da República, abriu portas à campanha partidária sedenta de vingança depois de um resultado eleitoral inesperado para o PS nas últimas eleições. Nenhum partido da oposição, à esquerda e à direita, conseguiu digerir o seu fracasso eleitoral de janeiro de 2022, após 6 anos de um governo desgastado com trapalhadas, uma pandemia e soluções políticas adiadas. Vêm agora uma oportunidade que nem sabem bem o que fazer com ela. A impreparação da oposição é evidente, entre a falta de alternativa e projetos políticos, à fraqueza das lideranças. No PS preparam-se as hordas para um combate entre uma ala mais à esquerda e uma ala mais ao centro, em que todos se querem mostrar mais sérios que outros, distanciando-se de António Costa, qual Pilatos ou Brutos, esquecendo-se que à mulher de César não basta ser honesta, deve parecer honesta. Um episódio mais na vida política portuguesa cheio de spoiler, já que é dado como garantido que o D. Sebastião da esquerda, renascido, virá vencedor.
- Por falar em sebastianismo… finalmente, passados 8 anos, o tão famigerado diabo chegou e, com ele, ressurge Passos Coelho, o D. Sebastião do PSD. Há muito que se sabia que não estava perdido em campo de batalha, apenas aguardava o momento certo para aparecer numa manhã de nevoeiro. E eis que apareceu… não só imerso em nevoeiro, mas a deixar ainda mais bruma sobre o pantanal político em que o país está. De acordo com Passos Coelho, o partido de direita radical que tem assento no nosso parlamento e que quer fundar uma nova república, isto é, acabar com o regime atual em que vivemos, não é “um partido anti-democrático”. Isto depois de, vários relatórios internacionais, considerarem esse partido um “grupo de ódio e de extrema-direita”. É por isso legítimo pensar que, aquele que é considerado como o exemplo de honestidade política no centro-direita, foi, mais uma vez, bem claro: se o PSD precisar de partidos extremistas para governar, saberá estender a mão. Não é de espantar, uma vez que foi dentro do “seu PSD” que se confecionou esta grande caldeirada. E embora Luís Montenegro queira agradar o eleitorado moderado ao dizer que “não é não”, a sombra do seu D. Sebastião persiste e persegui-lo-á toda a campanha eleitoral.
- No meio de toda esta crise política e deste vazio partidário, é caso para relembrar os velhos clássicos do cinema português: “Óh Ernestina, vamos embora qu’isto é tudo uma grande aldrabice!”*
* Adaptado do filme “A Canção de Lisboa” (1933) de José Cottinelli Telmo