Estou com a sensação de que importa pouco escrever, porque estou cada vez mais convencida de que se lê pouco e se diz o menos possível…
Não importa, para já, continuo mesmo assim…
Segui o conselho de Francisco Louçã que ouço sempre atentamente e corri à procura do livro, “Outra vida para viver” de Theodor Kallifatides.
Para mim, o facto do autor ser grego, sempre me fascinou… Porque gostei de estudar grego, porque, há muitos anos, fui boa aluna na História da Cultura Clássica e porque, uma viagem à Grécia, nos anos setenta, me marcou para a vida!
Este livro que acabo de citar é realmente interessante, porque é uma espécie de renascimento espiritual, um quase milagre contado com a tranquila naturalidade com que se contaria uma história comum. Quase trivial.
Há nele uma citação que me magoa ligeiramente e que também me atrai para a vida. Ou as duas, em simultâneo: “Depois dos setenta e cinco anos, já quase ninguém escreve.” Leio, releio a frase transcrita e comento: Que verdade é essa quando, à volta dessa idade, não há sinais do “bloqueio de escritor”?
Incapaz de escrever ou, melhor dizendo, incapaz de não escrever, Kallifatides decide voltar à Grécia natal para redescobrir o prazer da escrita na sua língua perdida, o grego… Neste livro de memórias, como tantos outros, além de responder à questão sobre como aceitar e envelhecimento, o autor grego de que falo, reflecte igualmente sobre alguns assuntos preocupantes para a Europa contemporânea: a intolerância religiosa, os preconceitos contra a emigração, os refugiados… e outros, vários outros temas interessantes. Numa meditação eloquente e oportuna, este autor grego convida a pensar sobre o lugar de um autor, que até posso ser eu, num mundo em mudança. Concordo com o autor de que falo e discordo dele algumas vezes. Nesse sentido, lembro também Philip Roth que um dia disse numa entrevista: “Quando as nossas lembranças nos abandonam, já não conseguimos escrever.” Isto pode ser verdade mas, por outro lado, tal como acontece comigo, são tantas as lembranças, são tantas as leituras e tantas as coisas vistas e experimentadas que, em boa verdade, se escrevesse sobre tudo o que vi e tudo o que aprendi, teria de ocupar muito do meu tempo a escrever. Mas… para quê, se quase ninguém lê, quase ninguém quer um livro para ler?
“(…) Se escrevesse sobre tudo o que vi e tudo o que aprendi, teria de ocupar muito do meu tempo a escrever. Mas… para quê, se quase ninguém lê, quase ninguém quer um livro para ler?”
Continuo a folhear o livro do autor grego que quero seguir e, à pergunta sobre o tempo todo que demorou a chegar a casa, o próprio autor respondeu: “ – Estive a ter uma lição de como não desanimar.” Oh! É isso mesmo de que preciso tantas vezes… Não chegar no tempo previsto é também um pouco assim com a escrita: uma espécie de vertigem controlada que faz muita falta.
Foi para isso que este autor grego,como tantos outros, escreveu durante tantos anos.Foi por isso que o autor grego tocou à campainha de uma porta pequena onde, minutos depois, apareceu uma senhora de roupão e pantufas… Que lhe indicou o caminho que procurava e com uma frase que o autor grego nunca quererá esquecer: “Quando a estrada acabar, sigam em frente.”
É isso mesmo! Outra vez! Mesmo que poucos leiam o que se escreve, é importante continuar… Porque há sempre outra vida para viver!
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