Após a decisão instrutória do Juiz Ivo Rosa, perante o alarme social relativo aquilo que se pensa ser mais um caso de impunidade face à corrupção, os partidos sentiram-se compelidos a “mostrar serviço” e há que propor mais legislação.
A febre da transparência atinge temperaturas cada vez mais altas. O ímpeto de despojar o político da sua humanidade naquilo que ele tem de se conservar, sempre, como indivíduo, é enorme. O político já não é humano, não é homem ou mulher, tem de ser um uma massa insípida, um robot dotado de uma inteligência artificial baseada numa ética de merceeiro, aquele que mantém a clientela contente.
Mas a política é uma atividade eminentemente humana, de humanos para humanos por humanos. As experiências independentemente do modo como possam ser classificadas a partir de uma moral do senso comum, são essenciais a todo aquele que pretende trilhar o caminho da política, na compreensão das dinâmicas do dia a dia. É no seu viver que ele encontra saídas pela vida. Nada disto tem a ver com transparência, mas com negatividade, a negatividade entendida como confronto. Confronto de emoções, confronto de ideias, confronto de realidades mais ou menos construídas, enfim … A vida na pluralidade, a constatação de sermos todos os mesmos, isto é, humanos, sem que ninguém seja exatamente igual a qualquer outra pessoa que tenha existido, exista ou venha a existir.
É por isto, que a ânsia legislativa, não só é extemporânea, porque feita a quente sobre determinado evento, como artificial porque não vai ao cerne do que constitui a corrupção, antes intensifica a burocracia. O governo transforma-se em administração ou a república em burocracia, encolhendo a esfera pública, encolhendo o poder de agir, o que é acelerado pelas burocracias partidárias. A burocracia torna-se por si só dual, ela, por um lado, institui o direito, por outro, mantém o direito. Tudo de uma forma discricionária, dando azo a todo o tipo de pequenos poderes difusos que de forma alguma constitui característica desta ou daquela instituição, antes parece ser endémica na sociedade (aquele que facilita, que é o primo, o amigo, o que é suscetível a pedidos ou a algum de interesse; aquele que pretende facilidade, o que faz o pedido, o que sugere uma troca, o que lembra o valor do seu micropoder, etc.).
Talvez seja momento para se refletir para depois agir, mas agir com acuidade, começando desde logo pelo estabelecimento de uma ética de base pluralista incrustada nos processos de educação e depois sim, não sendo possível evitar a legislação, então há que simplificar as leis, que devem conter mecanismos de tornar efetivo que elas se aplicam ao indivíduo e nunca à “classe” do indivíduo, tornando-as compreensíveis a todos e fazendo com que sejam cumpridas, de facto. Isto não é transparência, é ética na ação política.