À primeira vista pode não parecer, mas há algo que liga Débora Ribeiro, que nasceu no Brasil, a Rodrigo Constanzo, cidadão espanhol, e a Angela Guyton, colombiana de raiz: os três são imigrantes e vieram viver para o Vale do Sousa.
E os números não mentem: desde 2008 que cada vez mais imigrantes procuram a região para viver, seja temporariamente, ou à procura de um final feliz. E, ainda que a percentagem ainda seja residual, a globalização chegou ao Vale do Sousa.
Segundo dados da base de dados PORDATA, em 2019 os concelhos de Paços de Ferreira, Penafiel, Paredes e Lousada reuniam 259.322 habitantes, dos quais 1.643 provenientes de outros países, significando que, em cada mil residentes, aproximadamente seis são imigrantes.
Comparando com os dados nacionais, o valor da região torna-se bastante residual, sendo que, por cada mil habitantes em Portugal, 57 são provenientes de outros países, um valor quase 10 vezes superior aos dos quatro concelhos analisados pelo IMEDIATO. Contudo, a tendência de crescimento na região é inegável, sendo que, de 2008 a 2019, o número de imigrantes aumentou em quase 30%.
Quantos imigrantes existem por concelho?
Dos quatro municípios “debaixo da lupa”, Paredes foi o concelho que maior aumento registou nos 11 anos em estudo, sendo que o número de estrangeiros que escolheram Paredes como lar subiu 49,17%, para 631. Tendo em conta a população de mais de 86 mil habitantes, o número significa uma taxa de imigração de 0,73%.
A nível de nacionalidades, o concelho segue a tendência da região e do país, sendo os brasileiros a parte mais significativa, com 262 imigrantes, mais de 40%. Segue-se França e Espanha, com 9% e 4,75%, respetivamente.
O segundo concelho com maior número e incidência de imigrantes foi Penafiel, que, em 2019, tinha recebido 461 estrangeiros, mais 15,83% que 11 anos antes. Contas feitas, existiam, no ano passado, 69.772 penafidelenses, sendo que, assim, a população imigrante representava 0,66% do total.
Também em Penafiel a comunidade brasileira é a mais significativa, representando 43,6% do total, seguida de longe pelos cidadãos de nacionalidade ucraniana (9,32%) e por chineses (5,63%).
Já em Paços de Ferreira o valor é mais reduzido, contando-se, em 2019, 310 habitantes com outras nacionalidades além da portuguesa. No ano passado, a Capital do Móvel tinha uma comunidade imigrante superior em 34,78% à que se registava em 2008, representando 0,55% da população.
Além dos brasileiros, que representam 50,97% do total da população imigrante, a população chinesa representa 11,94% e os franceses 3,54%.
No fim dos quatro concelhos analisados pelo IMEDIATO está Lousada, que tem o menor peso da imigração. Os 241 estrangeiros que escolheram o município para viver representam 0,52% do total da população e representam um aumento de 35,70% face ao ano de 2008. Além da população brasileira, que simboliza 46% do total de imigração em Lousada, 7,47% são chineses e 6,22% ucranianos, apontam os dados da PORDATA.
Rodrigo e Angela encontraram “um lugar sossegado” em Penafiel
Rodrigo Constanzo e a mulher, Angela Guyton, vivem na vila de Paço de Sousa, no concelho de Penafiel, desde 2018. Os dois artistas, ele da área da música, ela da área da ilustração, pintura e vídeos, chegaram a terras penafidelenses durante uma busca por um lugar sossegado para morar.
Rodrigo Constanzo tem 44 anos e nasceu em Espanha. Filho de pai espanhol e mãe cubana, com apenas um ano de idade mudou-se com os pais para os Estados Unidos da América. Ali viveu até aos 30 e lá conheceu a mulher, Angela Guyton, uma colombiana de 39 anos, com quem se casou.
Dos Estados Unidos, o casal mudou-se para Inglaterra em 2007, onde esteve dez anos até decidir mudar-se para Portugal. O Porto foi o lugar escolhido inicialmente, mas o desejo era encontrar um “lugar sossegado para viver”, conta Rodrigo Constanzo.
Na busca, encontraram “o lugar ideal”: uma quinta em Paço de Sousa. “É um lugar tranquilo, no cimo de um monte, mas perto de tudo, da cidade de Penafiel e do Porto e que nos permite ter mais qualidade de vida e uma vida mais sossegada”, afirma o músico.
Apesar de não conhecer Penafiel antes de se mudar para Paço de Sousa, o casal sente-se “em casa” por terras penafidelenses. “Fomos muito bem recebidos, temos vizinhos muito simpáticos, pessoas com quem conseguimos comunicar facilmente apesar de não falarmos português. Falamos Portañol [mistura de Português e Espanhol] com eles e conseguimos fazer-nos entender perfeitamente”, explica Rodrigo Constanzo.
O músico dá aulas no Conservatório de Inglaterra e durante o ano divide-se em viagens entre Portugal e Inglaterra. “Passo lá mais ou menos três meses por ano, uma semana lá, duas ou três cá. Agora, devido à pandemia, as aulas acontecem online e estou sempre em Portugal”, afirma.
Também a mulher, Angela Guyton, tem conseguido facilmente desenvolver o seu trabalho. “Trabalha como freelancer e é fácil trabalhar a partir daqui”, acrescenta.
Apesar de ainda não ter trabalhado no concelho, o casal faz intenções de permanecer em Paço de Sousa por muitos anos e tem expetativa de conseguir trabalhar no concelho. “Tenho confiança que consigamos fazer trabalhos também aqui no concelho e na região onde nos sentimos em casa e que será o nosso lar nos próximos anos”, remata.
Do Brasil para Paços de Ferreira: a história de Débora Ribeiro
Débora Ribeiro tem 53 anos e ainda se lembra perfeitamente do dia em que fez as malas e, com o apoio da família, saiu do Brasil, cruzou o Atlântico, e desembarcou em Portugal: 23 de abril de 2005.
“Era uma época muito difícil, estava desempregada e desde que nasci tinha o sonho de emigrar. Eu vim de uma favela, do Morro dos Alagoanos, em Vitória, capital do Estado do Espírito Santo, confesso que hoje não tenho coragem de andar onde eu nasci”, contou ao IMEDIATO.
Inicialmente viveu em Lisboa, mas, há 14 anos, “o destino” acabou por encaminhá-la para Paços de Ferreira. A 6 de março de 2006 chegou à Capital do Móvel e “sinceramente” achou que tinha dado um passo atrás.
“Vim de Lisboa, onde se tem tudo, e foi mesmo um choque vir para Paços de Ferreira, não tinha transportes nem nada. Nada é fácil para quem é imigrante, mas não conhecia nada nem ninguém”, partilhou.
Contudo, a imigrante brasileira não tem medo de dizer “amo-te” a Paços de Ferreira, terra que considera que lhe deu tudo. Recentemente inscreveu-se num concurso público e começou a trabalhar como cantoneira para a Câmara Municipal.
“Às vezes não acredito que consegui isto tudo. Agora sou funcionária pública, sou cantoneira de rua com todo o prazer e gosto do mundo. Varro as ruas com tanta felicidade que os meus olhos falam por mim. Agora não sei viver longe de Paços de Ferreira”, contou com emoção.
Longe ficam os tempos obscuros em que deixou de comer para enviar dinheiro para o filho, que inicialmente ficou no Brasil. “Fui abençoada”, rematou.